Vasco Pulido Valente jornal Público, 14/04/2007
A entrevista de Sócrates na televisão não acabou, nem podia acabar, com o "caso da licenciatura". Nesta espécie de aperto, quando mais se "explica", pior é. Sócrates devia saber isso. Mas não resistiu. Julgou que punha tudo em pratos limpos. Não pôs. No dia seguinte, já havia outra notícia - uma trapalhada com equivalências no certificado da Covilhã - e hoje haverá outra e amanhã outra. Claro que pouco a pouco a história irá morrendo. Primeiro, porque não mete sexo, nem dinheiro. Segundo, porque as pessoas não têm paciência para as peripécias burocráticas da coisa. E terceiro, porque os políticos não querem andar pela "Europa" a discutir o currículo académico do primeiro-ministro. Em matéria de extravagância (ou teratologia) portuguesa, bem basta o que basta.
Existem sobretudo razões domésticas para arrumar rapidamente o assunto. O Presidente, que se comprometeu a fundo com o Governo, não quer um primeiro-ministro fraco, ocupado a esclarecer se "tirou" ou não as sublimes cadeiras de "investigação operacional" e "computação numérica". A esquerda (o PC e o Bloco) prefere Sócrates, que ela conhece, a uma direita que ela não conhece e que, pelo menos no PSD, verbalmente se radicalizou. Os "negócios", como é público e notório, gostam da política financeira e do nacionalismo económico deste PS. Até João Jardim defende a legitimidade do sr. José Sócrates Pinto de Sousa, engenheiro ou não, porque defende a legitimidade dele. Por trás disto, claro, está também o medo, quase palpável, que, por acaso ou má sorte, Sócrates tropece e caia. Ninguém ignora que o país não aguenta eleições, que o "precedente Santana" impede uma sucessão pacífica no PS e que, neste momento, sem Sócrates começa o caos.
Sócrates, por consequência, ficará, com a licenciatura ou com a instrução primária, porque os poderes que pesam de direito e de facto não o dispensam. Resta apurar como ficará. Paulo Portas já disse o que interessava: ficará sem "arrogância moral". Pior ainda, sem autoridade moral. Não por causa da licenciatura, que em si própria não conta. Mas por causa do Sócrates que nestes dias se entreviu. Um Sócrates fugidio, que aceita o atalho e o compromisso e que não é excessivamente escrupuloso. Ao contrário do que ele pensa, este novo Sócrates nega ou diminui o "grande reformador", que nada afastava da verdade e do dever, e da necessária salvação da pátria. Faça o que fizer, nunca tornará a ser o que foi.
Sem comentários:
Enviar um comentário