terça-feira, abril 10, 2007

Sócrates, Primeiro -Ministro

Primeiro-ministro explica-se amanhã na RTP
Sócrates fala depois de três semanas de notícias sobre a sua licenciatura em Engenharia Civil
jornal PÚBLICO, 10.04.2007 - 07h34 Ricardo Dias Felner

Quando José Sócrates se dirigir aos portugueses para lhes demonstrar que tem uma licenciatura regular – o que deverá acontecer amanhã, em entrevista à RTP –, passam quase três semanas desde que o PÚBLICO noticiou várias falhas no seu processo curricular na Universidade Independente (UnI).

Esse trabalho, publicado a 22 de Março, dava conta de contradições, de omissões e de documentos não assinados que fazem parte do dossier de Sócrates arquivado na UnI, cujo acesso foi facultado pelo primeiro-ministro. Entre os erros detectados estava o facto de as notas apresentadas numa das folhas não serem coincidentes com as notas apresentadas no certificado de habilitações.

Acresce que o plano de equivalências não se encontrava assinado, nem tinha qualquer data ou timbre da universidade; e faltavam outros elementos que normalmente integram o dossier de ex-alunos, como as datas dos exames finais e os professores responsáveis pelas cadeiras.

Por outro lado, um antigo director da Faculdade de Engenharia da UnI, e ex-vice-reitor, Eurico Calado, garantia na mesma edição que as cadeiras dos terceiro e quinto anos que fazem parte do certificado de Sócrates não foram ministradas em 1995/96. O curso tinha, na altura, apenas dois anos de existência. O mesmo responsável afirmava também a sua perplexidade com o facto de Luís Arouca ter ministrado a disciplina de Inglês Técnico quando era ele, nesse período, o seu regente, e não tivera qualquer conhecimento que esta fosse leccionada por outra pessoa.

O PÚBLICO noticiava ainda que a biografia oficial de José Sócrates fora alterada um dia depois do gabinete do primeiro-ministro ter recebido um questionário do PÚBLICO em que se perguntava sobre a utilização do título de “engenheiro civil”, no Portal do Governo. A Ordem dos Engenheiros pronunciara-se contra essa situação, alegando que o curso da Independente não era reconhecido e que José Sócrates não havia feito o exame de acesso à profissão.

Diploma ao domingo

As rádios reagiram com cautela à investigação do PÚBLICO. E, entre as televisões, apenas a TVI, no jornal das 13h00, assinalou a notícia. No sábado da semana seguinte, contudo, o Expresso voltava a pegar no assunto, titulando em manchete que o diploma do primeiro-ministro tinha data de um domingo, 8 de Setembro de 1996. Quanto ao processo de equivalência, o semanário citava um antigo presidente do Conselho Científico da UnI que salientava que esse plano de estudos não fora submetido à apreciação de qualquer órgão académico. Frederico Oliveira Pinto sublinhava ainda que o reitor Luís Arouca nunca permitira que o conselho científico se pronunciasse sobre processos de equivalências.

À investigação sobre José Sócrates, o Expresso juntava um artigo intitulado Impulso irresistível de controlar, sobre as pressões exercidas pelo primeiro-ministro e pelo seu gabinete junto de responsáveis da comunicação social e jornalistas, com o objectivo de evitar a publicação de notícias sobre o dossier da Independente. São Bento responderia oficialmente, mas só à SIC Notícias. "Enquanto aluno, o primeiro-ministro José Sócrates cumpriu todas as suas obrigações académicas", lia-se no comunicado. O assunto passou, então, a entrar nos noticiários dos telejornais e das rádios.

Outros jornais acabariam por trazer novos elementos, na semana seguinte. O Correio da Manhã, nomeadamente, publicou um texto em que um ex-aluno da UnI afirmava ter sido colega de José Sócrates. No mesmo jornal, Luís Arouca justificaria a divergência de notas em pauta e no certificado alegando que a pauta não incluía as avaliações por exame oral.

Não ia às aulas, só a exames

Pelo meio, há ainda a polémica sobre o MBA no ISCTE (Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, em Lisboa). José Sócrates frequentou o Mestrado em Gestão de Empresas daquele estabelecimento, mas apenas terá concluído a parte escolar, que perfaz quatro trimestres, não tendo entregue a tese de mestrado.

De acordo com o director do ISCTE, a frequência da parte escolar equivale a um MBA (Master of Business Administration). Na quinta-feira, por sua vez, o PÚBLICO informa sobre um relatório oficial, do Ministério do Ensino Superior, que apurou os alunos diplomados entre 1993 e 2002. Do curso de Sócrates, na UnI, não consta qualquer licenciado no ano frequentado pelo primeiro-ministro. O ministro do Ensino Superior reagiria publicamente no dia seguinte, solicitando o "esclarecimento cabal dos procedimentos de emissão de diplomas" na UnI e da forma como foram apuradas e comunicadas as estatísticas do referido relatório sobre os diplomados entre 1993 e 2002. Ao PÚBLICO, o gabinete de Mariano Gago já havia, contudo, dado uma explicação diferente sobre essa aparente contradição: o estudo não contemplava alunos transferidos de outras instituições que não aquela onde haviam finalizado o curso. Este dado, no entanto, não batia certo com os números do próprio relatório, que incluiu licenciados com diferentes percursos curriculares.

O gabinete do primeiro-ministro, por sua vez, remeteu qualquer comentário para a Independente e para o Ministério do Ensino Superior. Na sexta-feira, o Expresso centra-se nas declarações de quatro ex-colegas de Sócrates. Todos garantiam nunca ter visto o então secretário de Estado nas aulas, mas testemunharam que aparecia nos exames, chegando dez minutos depois da hora, sentando-se no fundo da sala, "isolado pelo professor", e saindo sempre antes da hora marcada para o fim da prova.

O docente das quatro cadeiras era sempre o mesmo: António José Morais. Quanto à quinta cadeira concluída por Sócrates, Inglês Técnico, todos os ex-alunos referiram que nunca o viram nos exames ou nas aulas. Perante as dúvidas suscitadas pela imprensa, o primeiro-ministro decidiria, por fim, comunicar que iria esclarecer tudo no início desta semana. No sábado, o Diário de Notícias avançava que José Sócrates se preparava para desvalorizar as "trapalhadas de secretaria" da Independente, afirmando-se vítima de uma "campanha negativa" com origens obscuras.



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