sexta-feira, abril 20, 2007

A SABEDORIA DE SÓCRATES

Durante uma visita a um Hospital de loucos, Sócrates pergunta ao director qual o critério para definir se um paciente está curado ou não.
- Bem diz o director, nós enchemos uma banheira com água e oferecemos uma colher de chá e uma chávena e pedimos para esvaziar a banheira...
- Entendi, diz Sócrates, uma pessoa normal escolhe a chávena, que é maior.
- Não - responde o director - uma pessoa normal tira a tampa do ralo...

VARA & CIA

Ex-professor de Sócrates envolvido no projecto
Morais, GEPI e construtora da Covilhã fizeram moradia de Armando Vara
Jornal PÚBLICO 20.04.2007 - 09h03
José António Cerejo


Armando Vara, quando era secretário de Estado adjunto do ministro da Administração Interna, recorreu ao director-geral do GEPI (Gabinete de Estudos e Planeamento de Instalações do MAI) e a engenheiros que dele dependiam para projectar a moradia que construiu perto de Montemor-o--Novo.

Para fazer as obras serviu-se de uma empresa e de um grupo ao qual o GEPI adjudicava muitos dos seus concursos públicos.

Com 3500 contos (17.500 euros) o actual administrador da Caixa Geral de Depósitos e licenciado pela Universidade Independente tornou-se dono, em 1998, de 13.700 m2 situados junto a Fazendas de Cortiços, a três quilómetros de Montemor-o-Novo. Em Março de 1999 requereu à câmara o licenciamento da ampliação e alteração da velha casa ali existente.

Tratava-se de fazer uma casa nova, com 335 m2, a partir de uma quase ruína de 171 m2. O alvará foi emitido em 2000 e a moradia, que nunca teve grande uso e se encontra praticamente abandonada, ficou pronta meses depois. Já em 2005, Vara celebrou um contrato para a vender a um particular por 240 mil euros, mas o negócio acabou por não se concretizar.

Onde a história perde a banalidade é quando se vê quem projectou e construiu a moradia. O projecto de arquitectura tem o nome de Ana Morais. Os projectos de estabilidade e das redes de esgotos e águas foram subscritos por Rui Brás. Já as instalações eléctricas são da responsabilidade de João Morais. O alvará da empresa que fez a casa diz que a mesma dá pelo nome de Constrope.

A arquitecta Ana Morais era à época casada com António José Morais, o então director do GEPI, que fora assessor de Armando Vara entre Novembro de 1995 e Março de 1996. Nessa altura, recorde-se, foi nomeado director do GEPI por Armando Vara - cargo em que se manteve até Junho de 2002 - e era professor de quatro das cinco disciplinas que deram a José Sócrates o título de licenciado em Engenharia pela UnI.

Quanto a Rui Brás e a João Morais, trata-se de dois engenheiros que trabalhavam (e continuam a trabalhar) no GEPI, o gabinete então dirigido por Morais e tutelado por Armando Vara nos ministérios sucessivamente dirigidos por Alberto Costa e Jorge Coelho. Por esse gabinete passavam as adjudicações de todas as empreitadas e aquisições de equipamentos destinados às forças de segurança e a todos os serviços dependentes do MAI, no valor de muitas dezenas de milhões de euros por ano.

Constrope trabalhava para o GEPI

A Constrope era uma firma de construção civil sediada em Belmonte, que também trabalhava para o GEPI e tinha entre os seus responsáveis um empresário da Covilhã, Carlos Manuel Santos Silva, então administrador da Conegil - uma empresa do grupo HLC que veio a falir e à qual o GEPI adjudicou dezenas de obras no tempo de Morais. Santos Silva está também ligado a outras empresas, entre as quais a Proengel, um gabinete de projecto com o qual António Morais mantém relações profissionais através de uma das suas empresas, a Geasm.

O processo de licenciamento da moradia de Armando Vara foi coordenado pelo então director do GEPI, existindo na Câmara de Montemor-o--Novo um fax que o prova, em papel timbrado do gabinete do secretário de Estado adjunto do MAI, dirigido a António Morais para o fax 213147060, precisamente o número do seu gabinete. Nesse fax, de 17/2/1999, a secretária de Vara escreve: "Conforme combinado com sua excelência o secretário de Estado adjunto do MAI, junto envio documentos referentes a Montemor-o-Novo." Os documentos são as quatro folhas do registo predial da propriedade de Vara, necessárias para pedir o licenciamento.

Contactados telefonicamente para o GEPI, Rui Brás e João Morais começaram por negar qualquer ligação ao caso e acabaram a dizer que não falavam sobre o assunto. "Isso é com o director", disse João Morais. António Morais, Ana Morais, Armando Vara, Santos Silva e os actuais administradores da Constrope não responderam aos recados ontem deixados pelo PÚBLICO.

quinta-feira, abril 19, 2007

CAMPANHA SEM ESTUDOS

Esta é a campanha que não acabou os estudos
jornal PÚBLICO, 17/04/2007
José Vítor Malheiros

É desprezível que se apresentem determinadas actividades profissionais como indignas e como exemplos negativos

A história é conhecida: um jovem sacristão trabalhava na sua aldeia para um pároco idoso que um dia morreu e foi substituído por um padre jovem e reformista. Este, mal chegou à paróquia, entregou ao sacristão uma lista de alterações a introduzir no serviço da igreja que lhe pediu que pusesse em prática. O homem, embaraçado, devolveu a lista ao padre explicando-lhe que não sabia ler e que, por isso, o padre teria de lhe explicar de viva voz o que quisesse que ele fizesse. O padre ficou estarrecido pela ignorância do homem e despediu-o, pois não podia ter ao seu serviço um analfabeto.
O sacristão, cabisbaixo, foi até à cidade para decidir o que fazer da sua vida. A dada altura quis comprar cigarros, mas reparou que na rua onde estava não havia nenhuma tabacaria. E o mesmo acontecia em todas as outras ruas do bairro. Decidiu agarrar nas economias e, em vez de tentar procurar novo emprego, abrir uma tabacaria de vão de escada. A tabacaria prosperou e transformou-se num amplo estabelecimento e a ela seguiram-se outras empresas que granjearam ao seu proprietário uma confortável fortuna. Um dia, recebeu a visita do seu advogado que lhe vinha pedir que lesse uns documentos. Ele teve de lhos devolver, explicando que não sabia ler. O advogado não pôde conter o espanto: "Mas se o senhor, sem saber ler, conseguiu chegar onde chegou, onde não estaria se soubesse ler?..." "Se eu soubesse ler", respondeu o abastado comerciante "era sacristão na minha aldeia."
A história tem várias morais e uma delas pode ser que nem a formação escolar é uma garantia de sucesso nem o empreendedorismo se aprende na escola.
Vem isto a propósito da campanha Novas Oportunidades, lançada pelo Governo, que "visa sensibilizar a população adulta para a importância da qualificação" e que se tornou notória pela utilização de várias estrelas (Pedro Abrunhosa, Judite de Sousa, Carlos Queiroz, Maria Gambina). A campanha mostra o "Pedro", a "Judite", o "Carlos" e a "Maria" a fazer aquilo que supostamente seria a sua profissão se "não tivessem acabado os estudos": a trabalhar como arrumador de uma sala de concertos, numa papelaria, a cortar a relva e a passar a ferro.
É certamente bom que o Estado português faça uma campanha para promover a aprendizagem e o regresso à escola. Mas é absolutamente desprezível que se apresentem determinadas actividades profissionais como indignas e como exemplos negativos, numa menorização das pessoas (dos cidadãos) que desempenham estas tarefas (cuja relevância social não é nula, diga-se) que é não só eticamente inadmissível como economicamente disparatada.
O problema em Portugal é precisamente que há imensas pessoas que não possuem competências nas suas áreas de actividade: temos comerciantes que não sabem fazer contas, lavadeiras que não sabem tirar nódoas, empregados de teatro que não sabem falar a um cliente e jardineiros que não sabem tratar de um relvado. O problema não é que haja pessoas a fazer isto (ou outra coisa) em vez de terem canudos. O problema é que há pessoas a fazer isto (ou outra coisa) mal feito.
Que os maus exemplos que a campanha do Governo tem para mostrar sejam estes (e não pessoas que desempenham mal a sua função por falta de competências, e não pessoas que se encontram desempregadas por não saberem fazer nada, e não delinquentes que não encontram outra forma de ocupação que não seja o crime, ou outra coisa qualquer) mostra algumas das piores facetas da cultura nacional: o desprezo pelo trabalho manual (que em Portugal é sempre visto como "não qualificado" ainda que o não seja), o desprezo pela manipulação material e a ideia de que a qualificação apenas existe nas profissões de "manipuladores de símbolos", a ideia de que a casta profissional a que se pertence é mais importante do que a competência que se possui no seu trabalho. São preconceitos que explicam em grande parte o atraso português.
A campanha é, finalmente, tanto mais tonta quanto a formação escolar pouco ou nada garante em termos de emprego - tal como acontece com o sacristão da história.

segunda-feira, abril 16, 2007

O "CANUDO" DE SÓCRATES

Jornal EXPRESSO on line, 16 de Abril de 2007

SÓCRATES CHAMADO A RESPONDER À ERC

Primeiro-ministro pode ser chamado à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC)
Humberto Costa, jornal EXPRESSO, 16 de Abril de 2007
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) vai votar, na próxima semana, uma proposta no sentido de ouvir José Sócrates sobre o processo desencadeado pelo artigo do EXPRESSO "Impulso irresistível de controlar".
José Sócrates poderá ser chamado a dar explicações à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), no âmbito das alegadas tentativas do Governo condicionar a comunicação social, referidas no artigo do Expresso "Impulso Irresistível de controlar".
A hipótese resulta de uma proposta do conselheiro Luís Gonçalves da Silva que vai ser votada na quinta-feira. A ser aprovada, a audição poderá ser efectuada por escrito, tendo em conta que José Sócrates "é titular de um órgão de soberania".
Na semana passada, o presidente da ERC, Azeredo Lopes, tinha considerado a possibilidade da audição de Sócrates "um acto de grande espectacularidade mas não de regulação". Posição que é contestada por Luís Gonçalves da Silva.

domingo, abril 15, 2007

HABILITAÇÕES DE SÓCRATES INVESTIGADAS


Instituição admite existência de falsificações
Universidade Independente vai investigar certificados de habilitações de José Sócrates
14.04.2007 - 22h30 Lusa

A Reitoria da Universidade Independente anunciou hoje que vai apurar responsabilidades quanto à existência de vários certificados de habilitações de José Sócrates passados pela instituição, considerando que a existirem documentos díspares "alguns poderão ser forjados".

"Em prol da verdade e transparência, afirma-se que a haver documentos díspares, alguns poderão ser forjados e por isso vamos apurar responsabilidades", indicou a reitoria em comunicado.

A nota do gabinete de imprensa da Universidade Independente (UnI) surge um dia depois do PÚBLICO ter divulgado um certificado de habilitações de Sócrates, datado de Agosto de 1996, que inclui um número telefónico da universidade que só poderia ser posterior a 1999, aquando da mudança nacional dos números levada a cabo pela ANACOM.

Esse certificado de habilitações foi enviado à Câmara da Covilhã e teve como objectivo a reclassificação de José Sócrates enquanto funcionário do quadro daquela autarquia.

Contactado hoje pela Agência Lusa, fonte do gabinete do primeiro-ministro disse que o certificado foi solicitado por José Sócrates em 2000 e enviado à Câmara da Covilhã no mesmo ano, remetendo para a UnI explicações sobre o facto de existir uma data de 1996 num documento passado em 2000.

Presidente da câmara diz que "se houve erro foi da universidade"

Também o presidente da Câmara da Covilhã, que já o era em 2000, Carlos Pinto (PSD), confirmou que a Câmara recebeu um certificado de habilitações de José Sócrates em Setembro de 2000.

No entanto, afirmou Carlos Pinto, "o certificado tinha um erro, tinha menos um algarismo no ano", ou seja, em vez de ter "08/08/96" tinha como data de conclusão de curso "08/08/9".

Uma vez detectado o erro, declarou Carlos Pinto, "a Câmara pediu a José Sócrates, através de um ofício, que enviasse novo certificado com os números todos".

Segundo o autarca, "no espaço de dias [e ainda em Setembro] a Câmara recebeu outro certificado", já completo - com data de conclusão do curso de 08/08/96 - mas num papel timbrado com os dados de morada, código postal e números de telefone actualizados da UnI.

Carlos Pinto considera que se está perante "um falso problema". "Se houve erro foi da universidade", uma vez que "o comportamento de José Sócrates para com a Câmara foi irrepreensível", sublinhou.

SÓCRATES, SEGUNDO PULIDO VALENTE (2)

O futuro do "caso"
Vasco Pulido Valente jornal Público, 14/04/2007

A entrevista de Sócrates na televisão não acabou, nem podia acabar, com o "caso da licenciatura". Nesta espécie de aperto, quando mais se "explica", pior é. Sócrates devia saber isso. Mas não resistiu. Julgou que punha tudo em pratos limpos. Não pôs. No dia seguinte, já havia outra notícia - uma trapalhada com equivalências no certificado da Covilhã - e hoje haverá outra e amanhã outra. Claro que pouco a pouco a história irá morrendo. Primeiro, porque não mete sexo, nem dinheiro. Segundo, porque as pessoas não têm paciência para as peripécias burocráticas da coisa. E terceiro, porque os políticos não querem andar pela "Europa" a discutir o currículo académico do primeiro-ministro. Em matéria de extravagância (ou teratologia) portuguesa, bem basta o que basta.
Existem sobretudo razões domésticas para arrumar rapidamente o assunto. O Presidente, que se comprometeu a fundo com o Governo, não quer um primeiro-ministro fraco, ocupado a esclarecer se "tirou" ou não as sublimes cadeiras de "investigação operacional" e "computação numérica". A esquerda (o PC e o Bloco) prefere Sócrates, que ela conhece, a uma direita que ela não conhece e que, pelo menos no PSD, verbalmente se radicalizou. Os "negócios", como é público e notório, gostam da política financeira e do nacionalismo económico deste PS. Até João Jardim defende a legitimidade do sr. José Sócrates Pinto de Sousa, engenheiro ou não, porque defende a legitimidade dele. Por trás disto, claro, está também o medo, quase palpável, que, por acaso ou má sorte, Sócrates tropece e caia. Ninguém ignora que o país não aguenta eleições, que o "precedente Santana" impede uma sucessão pacífica no PS e que, neste momento, sem Sócrates começa o caos.

Sócrates, por consequência, ficará, com a licenciatura ou com a instrução primária, porque os poderes que pesam de direito e de facto não o dispensam. Resta apurar como ficará. Paulo Portas já disse o que interessava: ficará sem "arrogância moral". Pior ainda, sem autoridade moral. Não por causa da licenciatura, que em si própria não conta. Mas por causa do Sócrates que nestes dias se entreviu. Um Sócrates fugidio, que aceita o atalho e o compromisso e que não é excessivamente escrupuloso. Ao contrário do que ele pensa, este novo Sócrates nega ou diminui o "grande reformador", que nada afastava da verdade e do dever, e da necessária salvação da pátria. Faça o que fizer, nunca tornará a ser o que foi.

sexta-feira, abril 13, 2007

SÓCRATES, SEGUNDO VASCO PULIDO VALENTE


O exemplo de Sócrates
Vasco Pulido Valente

Jornal PÚBLICO, 13/04/2007

José Sócrates faz parte daquela geração que já "nasceu para a política". A política (no PSD ou, depois, sob o patrocínio de Guterres) foi desde o princípio a sua única e autêntica carreira. O resto, a educação formal entrou por hábito, talvez por prudência e manifestamente pela necessidade de um estatuto "respeitável", que a política ainda hoje não dispensa. É hipócrita dizer, como se disse e ele próprio disse, que Portugal aceitaria sem reagir um primeiro-ministro com o secundário ou até com o título obscuro de "engenheiro técnico". Não aceitaria. E Sócrates, como é natural, tentou arranjar uma licenciatura para o que desse e viesse. Não o preocupou muito (e porque haveria de o preocupar?) se o ISEL e a Universidade Independente lhe dariam uma péssima ou excelente formação profissional. Para o que ele queria da vida, só interessava o papel.

Não lhe ocorreu com certeza na altura que o papel, só por si, valia pouco. Que a sua origem contava. Que a maneira como o tinha adquirido contava. Ou que as formalidades da sua concessão também contavam. Para um estranho à academia, coleccionar 55 cadeiras presumivelmente basta. Mas 55 cadeiras são 55 cadeiras. Não são um curso (no sentido literal de "caminho") que gradualmente transmite um método e treina uma cabeça. Nada mais lógico do que este engano. Sócrates tirou o seu verdadeiro curso no partido, na Assembleia da República, no Governo e na RTP (com Santana Lopes): e a campanha para secretário-geral do PS acabou, na prática, por ser uma espécie de doutoramento. Aqui houve ordem, desígnio, progressão; e "aproveitamento". Não no ISEL e na Universidade Independente.

Quanto à substância do "caso" em litígio, não é possível examinar uma a uma as peripécias que levaram à licenciatura de Sócrates. Só é possível, e além disso indispensável, deixar claro, cristalinamente claro, que nenhum estudante deve em circunstância alguma seguir o exemplo dele: um exemplo que, segundo Sócrates, revela "nobreza de carácter" e que anteontem ofereceu com "orgulho" aos portugueses. Ninguém que pretende genuinamente aprender anda a saltar de escola em escola, ou escolhe uma universidade porque "é mais perto", ou pede equivalências sob palavra, ou aceita o mesmo professor no mesmo ano para quatro cadeiras, ou se importa em especial com títulos. Sócrates simboliza tudo o que está errado no ensino que por aí existe. Como o acabrunhante espectáculo de quarta-feira, aliás, provou.

quinta-feira, abril 12, 2007

OS DIPLOMAS DE SÓCRATES, NA LEITURA DE ANTÓNIO BARRETO

Os diplomas de Sócrates
por
ANTÓNIO BARRETO

jornal PÚBLICO, 12 de Abril de 2007

O sr. primeiro-ministro negou ontem na televisão, indignadamente, que fosse "um especialista em relações públicas". Temos de o acreditar. Mas não há dúvida que ontem na televisão o sr. primeiro-ministro até pareceu "um especialista em relações públicas". Para começar, arrumou com brandura o caso da sua carreira académica, que afinal não é um caso. A Universidade Independente mandou e ele cumpriu. Quanto à burocracia, não sabe, nem se interessa. Quanto ao dr. António José Morais, que lhe "deu" quatro cadeiras, não o conhecia antes. Quanto ao resto, toda a sua vida de estudante só revela "nobreza de carácter", vontade de "melhorar" e de se "enriquecer" (intelectualmente). Um exemplo que ele, aliás, recomenda aos portugueses. Ponto final.
A minha ignorância não me permite contestar explicações tão, por assim dizer, "transparentes". Claro que nunca ouvi falar de um professor que "desse" quatro cadeiras no mesmo ano ao mesmo aluno, nem num reitor que ensinasse "inglês técnico", nem num conselho científico que fabricasse um "plano de estudos" para "acabar" uma licenciatura. Falha minha, com certeza. Se calhar, agora estas coisas são normais.
O sr. primeiro-ministro também declarou que ele e o seu gabinete não telefonam a jornalistas com a intenção malévola de os "pressionar". Pelo contrário, só os querem esclarecer. Ficamos cientes.
Fora isto, Sócrates demonstrou facilmente que o governo é óptimo e que ele é determinado, decidido, inabalável, responsável e bom. Portugal inteiro está, como lhe compete, agradecido.
a O debate começou bem e foi ficando progressivamente mais complicado, a partir mais ou menos dos 20 minutos. Porque um debate que normalmente seria sobre o estado da Nação a meio de um mandato do Governo, acabou por ser sobre o currículo académico do primeiro-ministro.
José Sócrates começou bem, tentando mostrar algum sentido de Estado ao querer separar o seu caso do da Independente. Foi habilidoso. O seu caso exigia, porém, prova documental, e talvez uma entrevista numa televisão não fosse a melhor maneira de a produzir. Conseguiu desmontar bem o alegado caso de assassínio de carácter, mas acabou por se atrapalhar nos pormenores. Ficou muito emperrado na questão emenda dos documentos da Assembleia da República, bem como nas notas lançadas pela Independente a um domingo. As questões de facto foram remetidas para casos de secretaria.
José Sócrates quis ainda reconhecer que existem diferenças entre dar explicações aos jornalistas e fazer pressões e foi cínico sobre a OPA. Ninguém acredita que o Governo não tivesse desse indicações à Caixa Geral de Depósitos. Foi de uma candura que soou a cinismo.
Foi interessante nesta entrevista a palavra blogosfera ter entrado nesta entrevista na discussão política.

O único momento verdadeiramente surpreendente da entrevista do primeiro-ministro à RTP foi quando explicou que escreve o pronome seu no fim das cartas, para ser como o inglês yours. Isso e a ideia de que, afinal, o substantivo engeheiro não designa uma competência mas sim um rótulo social definiram uma entrevista que valeu pelo que não se viu. Desde logo não se viu o balanço dos dois anos do Governo, que era a justificação da entrevista. Ora, gastou-se mais tempo com a Independente. A entrevista ou era uma coisa ou era outra. As duas, não podia ser. O dois-em-um não podia dar certo. José Alberto Carvalho conseguiu o tom certo numa conversa que o entrevistado queria de bom tom. Esforçou-se e tinha sem pre uma pergunta engatilhada. Nomeadamente no dossiê Independente. Maria Flor Pedroso, que é da rádio, estava a jogar fora e deixou-se ficar num papel mais apagado. Ganhou a noite, o primeiro-ministro? Pareceu-me que sim. E como, nestas coisas de televisão, o que importa é parecer, se pareceu, deve ter sido. A entrevista foi um bom sintoma daquilo a que está reduzida a política portuguesa: um aeroporto que ainda não existe e uma coisa que não se sabe se alguma vez foi uma universidade. Onde estão a ideologia, a Europa, as questões sociais? Nada. Sócrates gosta de passar a imagem do homem de acção que fala pouco. O problema é não ter obra para mostrar. Pouco mais pode fazer do que imitar o treinador do Benfica: prometer a Lua, iludir as derrotas e prometer a taça no ano que vem. Mas os eleitores sabem que é a fingir.
a Simplesmente patético! Um primeiro-ministro a defender-se com um arguido! Um primeiro-ministro a considerar insinuações as mais legítimas dúvidas da imprensa e da opinião pública!
Um primeiro-ministro que acha normal que um deputado, ministro depois, se matricule em curso superior e obtenha diploma académico de recurso (feito em três universidades diferentes), ainda por cima em estabelecimento não reconhecido pela respectiva Ordem profissional!
Um primeiro-ministro que não percebe que um deputado e um membro do governo não têm os mesmos direitos, ou antes, as mesmas faculdades que os outros cidadãos e não podem nem devem apresentar-se como candidatos a cursos pós-laborais que lhe confiram estatuto académico a que aspiram!
Um primeiro-ministro que considera normal e desculpável que os seus documentos oficiais curriculares sejam corrigidos e alterados ao gosto das revelações públicas!
Era tão melhor julgar os políticos por razões políticas e não por motivos pessoais ou de carácter! São, infeliz e necessariamente, sinais dos tempos. Dinheiro, sexo, cultura, vida familiar, gosto e carácter transformaram-se em critérios de avaliação. O facto, gostemos ou não, faz parte das regras do jogo.
Com a política totalmente centrada na personalidade do líder, é natural que a totalidade da personalidade seja motivo de interesse e escrutínio. A ponto de, infelizmente, superar os fundamentos e os resultados da acção política. Sócrates está a pagar os custos desta nova tendência. E a verdade é que ele não soube, não quis ou não pôde matar o abcesso à nascença. O facto de o não ter feito avolumou o episódio. Ter dado à imprensa e à opinião pública espaço e tempo para deslindar o confuso mistério dos seus diplomas foi um erro fatal. Ter tentado exercer pressões sobre a imprensa e os jornalistas foi igualmente uma imperícia infantil. Ter a necessidade de mostrar diplomas na televisão revela uma situação em que a palavra já vale pouco e a confiança se esvai. Ter tentado justificar o facto de se matricular, como "humilde deputado", e de se graduar, como ministro, é inútil. Mas revela uma crença perigosa: a de que acha natural e legítimo que um deputado e um membro do governo possam fazer tudo isso!
É possível que este homem seja Primeiro-ministro mais dois anos ou até que consiga ser reeleito. Mas uma coisa é certa: a confiança está ferida. Ora, enquanto a utilidade pública vai e vem, a confiança, quando quebra, não tem cura. As feridas de carácter não cicatrizam.

Segundo o PÚBLICO, SÓCRATES alterou documentos

Actualização - os dois documentos que constam nos serviços parlamentares são cópia e original
Sócrates alterou registo biográfico no Parlamento para explicitar bacharelato
Jornal PÚBLICO, 11.04.2007 - 19h46 Leonete Botelho

Os dois registos biográficos do deputado José Sócrates na VI legislatura, existentes na Assembleia da República, com informações diferentes quanto à profissão e habilitações literárias são, afinal, um original corrigido e uma fotocópia feita antes da correcção. Isso mesmo confirma uma nota do gabinete de imprensa do gabinete do primeiro-ministro divulgada esta tarde, após serem conhecidos os dois documentos.

Segundo o PÚBLICO, SÓCRATES alterou documentos

Actualização - os dois documentos que constam nos serviços parlamentares são cópia e original
Sócrates alterou registo biográfico no Parlamento para explicitar bacharelato
Jornal PÚBLICO, 11.04.2007 - 19h46 Leonete Botelho

Os dois registos biográficos do deputado José Sócrates na VI legislatura, existentes na Assembleia da República, com informações diferentes quanto à profissão e habilitações literárias são, afinal, um original corrigido e uma fotocópia feita antes da correcção. Isso mesmo confirma uma nota do gabinete de imprensa do gabinete do primeiro-ministro divulgada esta tarde, após serem conhecidos os dois documentos.

Segundo o PÚBLICO, SÓCRATES alterou registo biográfico

Actualização - os dois documentos que constam nos serviços parlamentares são cópia e originalSócrates alterou registo biográfico no Parlamento para explicitar bacharelato
Jornal PÚBLICO, 11.04.2007 - 19h46 Leonete Botelho

Os dois registos biográficos do deputado José Sócrates na VI legislatura, existentes na Assembleia da República, com informações diferentes quanto à profissão e habilitações literárias são, afinal, um original corrigido e uma fotocópia feita antes da correcção. Isso mesmo confirma uma nota do gabinete de imprensa do gabinete do primeiro-ministro divulgada esta tarde, após serem conhecidos os dois documentos.
A pedido de vários órgãos de comunicação social, a secretaria-geral da Assembleia da República (AR) divulgou hoje os fac-similes dos dois registos existentes nos serviços. Ambos têm a mesma data (13 de Fevereiro de 1992) e são em tudo idênticos. Mas num deles consta a profissão de engenheiro e na rubrica das habilitações a referência “Engenharia Civil”, enquanto no outro surge a profissão de engenheiro técnico e nas habilitações académicas surge a abreviatura “Bach.” antes da “Engenharia Civil”.Questionado sobre a disparidade, o gabinete de imprensa de José Sócrates confirma ter sido feita uma alteração no documento original: “Do confronto dos documentos resulta que foi feita uma clarificação do registo inicial, no sentido de precisar as habilitações académicas de bacharelato em Engenharia Civil, exactamente para que não pudessem subsistir quaisquer dúvidas”. Sublinha ainda o facto de que “em nenhum deles é referido pelo deputado José Sócrates ter, àquela data, uma licenciatura em Engenharia Civil”.A questão foi levantada na ontem, quando a consulta feita aos livros de biografias dos deputados existentes na Biblioteca Parlamentar revelava a disparidade das habilitações do deputado José Sócrates entre a V legislatura (1987/91) e a VI legislatura (1991/95). Na primeira, lê-se nas habilitações literárias de Sócrates o bacharelato em Engenharia Civil pelo Instituto Superior de Engenharia de Coimbra, e na profissão engenheiro técnico. Na segunda já se refere a licenciatura em engenharia civil e a profissão de engenheiro.Confrontado com a situação, o gabinete do primeiro-ministro atribuía a segunda informação a erro dos serviços parlamentares. E estes responderam às dúvidas do PÚBLICO referindo a existência de dois registos biográficos diferentes com a mesma data. Hoje, a secretária-geral da AR, Adelina Sá Carvalho mostrou ao PÚBLICO os dois documentos, mas não conseguiu explicar a disparidade das informações neles constantes, alegando não poder “responder retroactivamente” à sua entrada em funções.Adelina Sá Carvalho confirmou, no entanto, ao PÚBLICO que os deputados podem fazer alterações aos seus registos a qualquer momento, sem que haja registo das datas em que as fazem. E acrescentou ser normal haver fotocópias em vários serviços do parlamento, uma vez que as mesmas informações têm de ser usadas para fins diferentes.Quem não se conforma com a atribuição de erros aos serviços parlamentares é o antigo adjunto da Divisão de Edições, Álvaro Gonçalves, responsável pela publicação das biografias dos deputados até à V legislatura. “Sinto-me ofendido pelo ataque cerrado aos funcionários parlamentares, que são sempre o elo mais fraco”, afirmou ao PÚBLICO.Reformado desde Janeiro de 1992, Álvaro Gonçalves também não sabe explicar o que pode ter acontecido em concreto com a situação de José Sócrates. Mas afirma que sempre foi prática dos serviços questionarem directamente os deputados quando tinham dúvidas sobre as informações constantes nos registos. “Eu próprio o fiz muitas vezes. Tentei, por exemplo, que a Natália Correia preenchesse as habilitações literárias e ela nunca o quis fazer, ou que o João Cravinho dissesse quais as obras que eram da sua responsabilidade, e ele negou”, conta.

Segundo o PÚBLICO, SÓCRATES alterou registo biográfico

Actualização - os dois documentos que constam nos serviços parlamentares são cópia e originalSócrates alterou registo biográfico no Parlamento para explicitar bacharelato
Jornal PÚBLICO, 11.04.2007 - 19h46 Leonete Botelho

Os dois registos biográficos do deputado José Sócrates na VI legislatura, existentes na Assembleia da República, com informações diferentes quanto à profissão e habilitações literárias são, afinal, um original corrigido e uma fotocópia feita antes da correcção. Isso mesmo confirma uma nota do gabinete de imprensa do gabinete do primeiro-ministro divulgada esta tarde, após serem conhecidos os dois documentos.
A pedido de vários órgãos de comunicação social, a secretaria-geral da Assembleia da República (AR) divulgou hoje os fac-similes dos dois registos existentes nos serviços. Ambos têm a mesma data (13 de Fevereiro de 1992) e são em tudo idênticos. Mas num deles consta a profissão de engenheiro e na rubrica das habilitações a referência “Engenharia Civil”, enquanto no outro surge a profissão de engenheiro técnico e nas habilitações académicas surge a abreviatura “Bach.” antes da “Engenharia Civil”.Questionado sobre a disparidade, o gabinete de imprensa de José Sócrates confirma ter sido feita uma alteração no documento original: “Do confronto dos documentos resulta que foi feita uma clarificação do registo inicial, no sentido de precisar as habilitações académicas de bacharelato em Engenharia Civil, exactamente para que não pudessem subsistir quaisquer dúvidas”. Sublinha ainda o facto de que “em nenhum deles é referido pelo deputado José Sócrates ter, àquela data, uma licenciatura em Engenharia Civil”.A questão foi levantada na ontem, quando a consulta feita aos livros de biografias dos deputados existentes na Biblioteca Parlamentar revelava a disparidade das habilitações do deputado José Sócrates entre a V legislatura (1987/91) e a VI legislatura (1991/95). Na primeira, lê-se nas habilitações literárias de Sócrates o bacharelato em Engenharia Civil pelo Instituto Superior de Engenharia de Coimbra, e na profissão engenheiro técnico. Na segunda já se refere a licenciatura em engenharia civil e a profissão de engenheiro.Confrontado com a situação, o gabinete do primeiro-ministro atribuía a segunda informação a erro dos serviços parlamentares. E estes responderam às dúvidas do PÚBLICO referindo a existência de dois registos biográficos diferentes com a mesma data. Hoje, a secretária-geral da AR, Adelina Sá Carvalho mostrou ao PÚBLICO os dois documentos, mas não conseguiu explicar a disparidade das informações neles constantes, alegando não poder “responder retroactivamente” à sua entrada em funções.Adelina Sá Carvalho confirmou, no entanto, ao PÚBLICO que os deputados podem fazer alterações aos seus registos a qualquer momento, sem que haja registo das datas em que as fazem. E acrescentou ser normal haver fotocópias em vários serviços do parlamento, uma vez que as mesmas informações têm de ser usadas para fins diferentes.Quem não se conforma com a atribuição de erros aos serviços parlamentares é o antigo adjunto da Divisão de Edições, Álvaro Gonçalves, responsável pela publicação das biografias dos deputados até à V legislatura. “Sinto-me ofendido pelo ataque cerrado aos funcionários parlamentares, que são sempre o elo mais fraco”, afirmou ao PÚBLICO.Reformado desde Janeiro de 1992, Álvaro Gonçalves também não sabe explicar o que pode ter acontecido em concreto com a situação de José Sócrates. Mas afirma que sempre foi prática dos serviços questionarem directamente os deputados quando tinham dúvidas sobre as informações constantes nos registos. “Eu próprio o fiz muitas vezes. Tentei, por exemplo, que a Natália Correia preenchesse as habilitações literárias e ela nunca o quis fazer, ou que o João Cravinho dissesse quais as obras que eram da sua responsabilidade, e ele negou”, conta.

quarta-feira, abril 11, 2007

SÓCRATES EXPLICA-SE... e REACÇÕES

Reacções à entrevista do primeiro-ministro 12.04.2007 - 00h31 PÚBLICO

Várias personalidades da vida pública reagiram à entrevista do primeiro-ministro, José Sócrates, na RTP1.

"As explicações são tardias e esclarecem muito pouco. A entrevista não dissipou dúvidas sobre se tinha tido licenciatura com tratamento de favor. Não é importante para um primeiro-ministro ser engenheiro. A legitimidade de um primeiro-ministro vem dos votos, não dos títulos académicos. Mas, utilizar um título que não se tem, fazer passar-se por aquilo que não se é revela uma falha de carácter, mina a credibilidade e afecta sua a autoridade. Numa matéria desta natureza, depois de esclarecimentos não convincentes, o primeiro-ministro deve ser o primeiro interessado em pedir a uma entidade independente, não tutelada pelo Governo, uma investigação a toda a esta situação. Quem não deve não teme."
Luís Marques Mendes, Líder do PSD

O PCP regista o esclarecimento do primeiro-ministro, José Sócrates, sobre o processo que envolveu o seu percurso académico e a sua licenciatura. Sem prejuízo da utilidade de se ver esclarecida esta questão, não é possível deixar de observar que a mesma tem sido sobretudo utilizada como instrumento de distracção dos reais problemas do país. O que afecta seriamente a credibilidade do primeiro-ministro é o rasto de promessas não cumpridas e as inúmeras decisões que se traduziram no agravamento dos principais problemas do país.
Vasco Cardoso, da comissão política do PCP

José Sócrates não esclareceu porque falou tão tarde. Disse que estava à espera que decorresse o processo de investigação em relação à Universidade Independente mas este ainda está em curso. É uma falácia política. Qualquer cidadão colocado perante tantos factos – a questão da data de lançamento da conclusão do curso, estatísticas erradas que dizem que não houve licenciados no seu ano de curso – teria uma reacção: eu reconheço que a minha vida académica parece uma trapalhada, mas não é, porventura por culpa da instituição. Eu nunca vi um tão grande amontoado de factos erróneos, contradições. Não há como não admitir que a situação precisa de se explicar.
Lobo Xavier, militante do CDS

Há esclarecimentos que o primeiro-ministro não deu. Usou ou não de forma indevida títulos académicos a que não tinha direito? A resposta é sim, voluntariamente ou quanto mais não seja por omissão. Nenhum deputado permite que se reproduzam documentos que lhe atribuem títulos académicos que não tinha. Foi um jovem que se deixou deslumbrar. Quanto ao processo Universidade Independente caiu em contradições: hoje [ontem] falou dos seus professores, ao PÚBLICO disse que não se lembrava dos professores. Pode ser vítima de caos administrativo mas isto tem que ser esclarecido. O caso não acabou.
Pacheco Pereira, historiador e militante do PSD

Eu conheço José Sócrates há muito tempo, a sua verticalidade. Nunca tive dúvidas. O primeiro-ministro respondeu a todas as insinuações, a todas, teve a coragem, serenidade e humildade de levar para ali documentos. Não percebo como se pode pedir mais explicações. Não passa de uma telenovela de tretas. Nenhum partido falou nisto na Assembleia da República o que mostra maturidade da democracia portuguesa.
Jorge Coelho, militante do PS

SÓCRATES EXPLICA-SE...

Entrevista na RTP1
Sócrates diz que não se sente “fragilizado” com polémica sobre o seu percurso académico
jornal PÚBLICO,12।04.2007 - 00h23, Ricardo Dias Felner

Na entrevista à RTP para responder à polémica sobre o seu currículo, o primeiro-ministro admitiu que a existência de dúvidas era legítima.
No momento escolhido para se “defender” das notícias publicadas nas últimas três semanas sobre o seu percurso académico, José Sócrates afirmou que a polémica que o envolveu não o perturbou.“Não me sinto nada fragilizado”, disse o primeiro-ministro, na entrevista emitida ontem à noite pela RTP.Questionado sobre se sentia bem na “pele de primeiro-ministro”, Sócrates respondeu estar “perfeitamente à-vontade”, citando depois o lema de vida de Sousa Franco, uma frase de Horácio: “Quem teme tempestades acaba a rastejar.” Ora, disse o primeiro-ministro, “eu não temo tempestades”.A declaração foi feita após mais de meia-hora de explicações sobre as falhas no processo curricular de Sócrates publicadas no PÚBLICO e no “Expresso” dos últimos dias.O primeiro-ministro começou por justificar a razão pela qual só decidiu agora falar sobre o caso, explicando que preferiu que terminasse a inspecção realizada na Universidade Independente, instaurada pelo Ministério do Ensino Superior na sequência da luta de poder que rebentou naquela instituição no fim de Fevereiro.José Sócrates salientou, a esse propósito, ter feito prevalecer “aquilo que devem ser as responsabilidades do primeiro-ministro”, em detrimento da sua própria imagem pessoal, marcando depois o fim do silêncio: “Chegou o momento de me defender”, frisou, reconhecendo mais à frente: “Percebo que houvesse muito gente com legítimas dúvidas”.Todos os diplomasO chefe do Governo começou depois a indicar todas as suas habilitações, revelando documentos relativos à conclusão do bacharelato em Coimbra, às cadeiras que frequentou no curso do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL), à licenciatura na Universidade Independente (UnI) e a um MBA no ISCTE.Na sequência dessa exposição, questionado por quatro vezes sobre as razões que o levaram a transferir-se do ISEL para a UnI, José Sócrates apresentou três razões: o ISEL dava equivalência a uma licenciatura enquanto o curso da Independente era uma licenciatura; a Independente “era perto do ISEL”; e a Independente “apostava no regime pós-laboral”.O curso que José Sócrates frequentou no ISEL tinha, também, um regime pós-laboral. A licenciatura na UnI ia então apenas no segundo ano, não possuindo ainda prestígio.O primeiro-ministro insistiu depois na negação de que terá sido favorecido na UnI. Para tal, deu como exemplo o requerimento que consta do seu “dossier” naquela universidade, em que pede para ali ingressar, e que data de 12 de Setembro, quando Sócrates era deputado do PS. No seu entender, este facto “destrói por base a ideia de que foi o processo pensado para alguém que era membro do Governo”.Relativamente ao certificado de habilitações do ISEL, entregue após 8 de Julho de 1996, quando Sócrates já estaria a terminar o seu ano lectivo na UnI, o primeiro-ministro admitiu que o reitor aceitou a sua candidatura presumindo “a sua boa fé” e alegou que o atraso foi da responsabilidade do ISEL.Culpas foram para a UNIPor sua vez, sobre o facto de quatro das notas da UnI terem sido lançadas em Agosto, o primeiro-ministro disse que “um aluno não é responsável pelo funcionamento da UnI”, presumindo depois, no entanto, ser normal os professores fazerem-no. Sócrates acrescentou não ter concluído nenhum exame nesse mês, mas “muito antes”.O primeiro-ministro salientou que fazia parte de uma turma “especial”, criada por alunos oriundos de outras instituições, para explicar a razão pela qual o seu professor de Inglês Técnico, o reitor Luís Arouca, não terá sido o regente dessa cadeira do curso de Engenharia Civil.Na sequência dessa resposta, justificou ter feito só cinco cadeiras por indicação da Independente. “Fiz as cadeiras que a UnI disse que devia fazer”, frisou, aduzindo ter frequentado as aulas “com esforço”, embora não fosse “a todas”.Quatro dessas cadeiras surgem como tendo sido leccionadas por António José Morais – uma coincidência que José Sócrates refutou estar relacionada com o facto desse docente ser do PS e ter sido nomeado para cargos de direcção durante os dois últimos governos socialistas.Sobre a sua competência, o primeiro-ministro elogiou “o nível de habilitações” do professor, mas, questionado sobre processos disciplinares instaurados contra ele, respondeu: “São notícias, li isso nos jornais.”Sócrates empunharia ainda recibos para atestar o pagamento de propinas. E, sobre o facto de ter usado como forma de se despedir, numa carta ao reitor Luís Arouca, antes de ter aulas na Independente, a expressão “do seu José Sócrates”, garantiu que “costuma sempre terminar as cartas desta forma”.Perguntado depois sobre a Biografia dos Deputados, em que aparece como “engenheiro civil”, Sócrates disse existirem dois documentos que estiveram na origem desse livro. Mas sublinhou: “Não me lembro disso. Foi há 14 anos.”

terça-feira, abril 10, 2007

O MINISTRO GAGO

Luz e sombras na intervenção de Mariano Gago
jornal PÚBLICO, 10/04/2007

Foi um erro misturar uma questão de Estado - o encerramento de uma universidade - com uma questão política por definição passageira - a licenciatura de José Sócrates

1 O ministro Mariano Gago fez o que devia e o que se esperava: mandou encerrar a Universidade Independente. Se não o tivesse feito ontem, face à exuberante demonstração de compadrios, vigarices, esbulhos, abusos de confiança, negação radical do que deve ou não ser uma Universidade que se acumularam durante as últimas semanas, o ministro teria de se explicar muito bem perante o país. Quando os principais dirigentes estão presos ou tiveram de pagar avultadas cauções para continuar em liberdade; quando se tornou por de mais evidente que não havia ali nada que se assemelhasse ao normal funcionamento de uma instituição universitária; quando se percebeu que os desesperados alunos não podiam ser mantidos, nem mais um dia, no limbo da indefinição, era obrigação do Estado impedir que o desvario continuasse. Até em nome das principais vítimas, os alunos.
Se alguma coisa se estranha nesta intervenção ministerial é o seu atraso. A UnI, sabe-se agora, não pagava a muitos dos seus professores, ou pelo menos não pagava a tempo e horas; tinha anos de rendas em dívida na Caixa Geral de Depósitos, o banco público por excelência; acumulava também dívidas junto da Câmara Municipal de Lisboa; e tivera de enfrentar sucessivas acções de inspecção e avaliação, quase todas elas negativas ou quase, ao longo da última década. Mesmo não sabendo que os seus dirigentes andavam a comprar andares e iates, será que o Estado não devia ter feito qualquer coisa mais cedo? E falo em Estado porque o assunto atravessa numerosos governos durante os quais nunca, ou quase nunca. Se mostrou sequer um cartão amarelo à UnI. Importará saber porquê, razão pela qual a esta correcta decisão de Mariano Gago se deveria seguir outra: tornar públicos e facilmente consultáveis na Internet todos os documentos que ao longo dos anos foram entregues pela UnI ao ministério, como aqueles que o próprio ministério produziu.
É útil perceber se é falso ou verdadeiro aquilo de que muitos desconfiam. Isto é, que foi na UnI que concluíram as suas licenciaturas muitos políticos importantes (fala-se de nomes do PS e do PSD, talvez injustamente...); que a UnI teve como docentes outros políticos (Marques Mendes, Jorge Coelho, mas durante quanto tempo?); e que só se chegou à actual situação porque muitos calaram ou fecharam os olhos.
Em nome da sociedade da informação e da transparência da governação, dois valores que Mariano Gago diz prezar, facultar toda essa informação ajudaria a separar o trigo do joio.

2 O ministro Mariano Gago esteve mal, muito mal mesmo, quando deixou que a sua decisão sobre o fecho da Independente se transformasse na sua avaliação da forma como essa universidade aceitou como aluno e, depois, concedeu um diploma ao actual primeiro-ministro. Esteve mal porque deu a entender que na UnI tudo estava bem há dez anos e tudo está mal hoje, o que não é correcto. Esteve mal porque atribuiu todas as falhas no processo de licenciatura de José Sócrates à UnI ao mesmo tempo que valorizava a opção do primeiro-ministro por ter decidido concluir a licenciatura naquela escola. E esteve sobretudo mal porque ao dizer que tudo era culpa do mau funcionamento da UnI não só não deu um só elemento para o demonstrar (há semanas que o podia ter feito se tivesse respondido ao questionário que lhe foi enviado pelo Expresso...), como acabou por apunhalar o seu companheiro ao dizer que ele estudou e se licenciou numa escola caótica, escola caótica essa que continuou a funcionar normalmente dois anos depois de ele próprio ter tomado posse.
Julgo que o Mariano Gago que, noutros tempos bem anteriores ao 25 de Abril, presidiu à Associação de Estudantes da - porventura - mais prestigiada escola de engenharia do país, o Instituto Superior Técnico, não se reconheceria nos malabarismos do ministro. Só que não se pode misturar água e azeite, e foi um erro misturar uma questão de Estado - o encerramento de uma universidade - com uma questão política necessariamente passageira.
José Manuel Fernandes

Sócrates, Primeiro -Ministro

Primeiro-ministro explica-se amanhã na RTP
Sócrates fala depois de três semanas de notícias sobre a sua licenciatura em Engenharia Civil
jornal PÚBLICO, 10.04.2007 - 07h34 Ricardo Dias Felner

Quando José Sócrates se dirigir aos portugueses para lhes demonstrar que tem uma licenciatura regular – o que deverá acontecer amanhã, em entrevista à RTP –, passam quase três semanas desde que o PÚBLICO noticiou várias falhas no seu processo curricular na Universidade Independente (UnI).

Esse trabalho, publicado a 22 de Março, dava conta de contradições, de omissões e de documentos não assinados que fazem parte do dossier de Sócrates arquivado na UnI, cujo acesso foi facultado pelo primeiro-ministro. Entre os erros detectados estava o facto de as notas apresentadas numa das folhas não serem coincidentes com as notas apresentadas no certificado de habilitações.

Acresce que o plano de equivalências não se encontrava assinado, nem tinha qualquer data ou timbre da universidade; e faltavam outros elementos que normalmente integram o dossier de ex-alunos, como as datas dos exames finais e os professores responsáveis pelas cadeiras.

Por outro lado, um antigo director da Faculdade de Engenharia da UnI, e ex-vice-reitor, Eurico Calado, garantia na mesma edição que as cadeiras dos terceiro e quinto anos que fazem parte do certificado de Sócrates não foram ministradas em 1995/96. O curso tinha, na altura, apenas dois anos de existência. O mesmo responsável afirmava também a sua perplexidade com o facto de Luís Arouca ter ministrado a disciplina de Inglês Técnico quando era ele, nesse período, o seu regente, e não tivera qualquer conhecimento que esta fosse leccionada por outra pessoa.

O PÚBLICO noticiava ainda que a biografia oficial de José Sócrates fora alterada um dia depois do gabinete do primeiro-ministro ter recebido um questionário do PÚBLICO em que se perguntava sobre a utilização do título de “engenheiro civil”, no Portal do Governo. A Ordem dos Engenheiros pronunciara-se contra essa situação, alegando que o curso da Independente não era reconhecido e que José Sócrates não havia feito o exame de acesso à profissão.

Diploma ao domingo

As rádios reagiram com cautela à investigação do PÚBLICO. E, entre as televisões, apenas a TVI, no jornal das 13h00, assinalou a notícia. No sábado da semana seguinte, contudo, o Expresso voltava a pegar no assunto, titulando em manchete que o diploma do primeiro-ministro tinha data de um domingo, 8 de Setembro de 1996. Quanto ao processo de equivalência, o semanário citava um antigo presidente do Conselho Científico da UnI que salientava que esse plano de estudos não fora submetido à apreciação de qualquer órgão académico. Frederico Oliveira Pinto sublinhava ainda que o reitor Luís Arouca nunca permitira que o conselho científico se pronunciasse sobre processos de equivalências.

À investigação sobre José Sócrates, o Expresso juntava um artigo intitulado Impulso irresistível de controlar, sobre as pressões exercidas pelo primeiro-ministro e pelo seu gabinete junto de responsáveis da comunicação social e jornalistas, com o objectivo de evitar a publicação de notícias sobre o dossier da Independente. São Bento responderia oficialmente, mas só à SIC Notícias. "Enquanto aluno, o primeiro-ministro José Sócrates cumpriu todas as suas obrigações académicas", lia-se no comunicado. O assunto passou, então, a entrar nos noticiários dos telejornais e das rádios.

Outros jornais acabariam por trazer novos elementos, na semana seguinte. O Correio da Manhã, nomeadamente, publicou um texto em que um ex-aluno da UnI afirmava ter sido colega de José Sócrates. No mesmo jornal, Luís Arouca justificaria a divergência de notas em pauta e no certificado alegando que a pauta não incluía as avaliações por exame oral.

Não ia às aulas, só a exames

Pelo meio, há ainda a polémica sobre o MBA no ISCTE (Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, em Lisboa). José Sócrates frequentou o Mestrado em Gestão de Empresas daquele estabelecimento, mas apenas terá concluído a parte escolar, que perfaz quatro trimestres, não tendo entregue a tese de mestrado.

De acordo com o director do ISCTE, a frequência da parte escolar equivale a um MBA (Master of Business Administration). Na quinta-feira, por sua vez, o PÚBLICO informa sobre um relatório oficial, do Ministério do Ensino Superior, que apurou os alunos diplomados entre 1993 e 2002. Do curso de Sócrates, na UnI, não consta qualquer licenciado no ano frequentado pelo primeiro-ministro. O ministro do Ensino Superior reagiria publicamente no dia seguinte, solicitando o "esclarecimento cabal dos procedimentos de emissão de diplomas" na UnI e da forma como foram apuradas e comunicadas as estatísticas do referido relatório sobre os diplomados entre 1993 e 2002. Ao PÚBLICO, o gabinete de Mariano Gago já havia, contudo, dado uma explicação diferente sobre essa aparente contradição: o estudo não contemplava alunos transferidos de outras instituições que não aquela onde haviam finalizado o curso. Este dado, no entanto, não batia certo com os números do próprio relatório, que incluiu licenciados com diferentes percursos curriculares.

O gabinete do primeiro-ministro, por sua vez, remeteu qualquer comentário para a Independente e para o Ministério do Ensino Superior. Na sexta-feira, o Expresso centra-se nas declarações de quatro ex-colegas de Sócrates. Todos garantiam nunca ter visto o então secretário de Estado nas aulas, mas testemunharam que aparecia nos exames, chegando dez minutos depois da hora, sentando-se no fundo da sala, "isolado pelo professor", e saindo sempre antes da hora marcada para o fim da prova.

O docente das quatro cadeiras era sempre o mesmo: António José Morais. Quanto à quinta cadeira concluída por Sócrates, Inglês Técnico, todos os ex-alunos referiram que nunca o viram nos exames ou nas aulas. Perante as dúvidas suscitadas pela imprensa, o primeiro-ministro decidiria, por fim, comunicar que iria esclarecer tudo no início desta semana. No sábado, o Diário de Notícias avançava que José Sócrates se preparava para desvalorizar as "trapalhadas de secretaria" da Independente, afirmando-se vítima de uma "campanha negativa" com origens obscuras.



segunda-feira, abril 09, 2007

sexta-feira, abril 06, 2007

JOSÉ MATTOSO: GRANDE ENTREVISTA


«O mundo académico está cheio de golpes baixos»
José Mattoso

Filho de um monárquico e salazarista, José Mattoso encabeçou um abaixo-assinado contra o programa «Os Grandes Portugueses». A vitória de Salazar entristeceu-o.

Durante 20 anos foi monge beneditino. Trocou o hábito pela vida secular porque não encontrou no mosteiro espaço para a meditação. Casou por duas vezes e ocupou cargos de destaque como a vice-reitoria da Universidade Nova de Lisboa ou a direcção da Torre do Tombo. Trocou as honrarias pela vida simples. No silêncio encontra o essencial de si próprio. Isolado nas cercanias de Mértola vive de forma modesta. A casa que habita foi refúgio de pastores. O edifício da vacaria alberga a sua biblioteca pessoal. Acabou de doar tudo, casa, terreno e biblioteca ao Campo Arqueológico de Mértola. Aos 74 anos e debilitado fisicamente, José Mattoso reconhece que foi um homem de sorte: «Encontrei bons amigos e tive uma família que gostou muito de mim.»

Encabeçou um abaixo-assinado contra o programa da RTP, «Os Grandes Portugueses». Como é que avalia o resultado?

Fiquei muito triste. Tudo isto mostra a falência do ensino em Portugal e a incapacidade que o regime democrático teve para transmitir ao povo português os princípios fundamentais de uma sociedade responsável. Durante a nossa história encontrámos sempre modelos positivos. Tivemos orgulho do nosso passado. Hoje não nos identificamos com os nossos chefes. Temos vergonha do presente e escolhemos como grande português um contabilista, um ditador, que nem sequer teve a envergadura de um Mussolini.

Mas o facto de Salazar ter ganho com uma larga diferença, não significa que os portugueses estão a exorcizar alguns dos seus fantasmas?

É acima de tudo uma forma de o povo português dizer que não está satisfeito, que se sente frustrado com os dirigentes que teve depois do 25 de Abril.

E que se sente desiludido com a democracia?

Sim. E que se sente descontente com a situação actual. Encontraram aqui a forma de exprimir a sua insatisfação.

Mas o resultado representa a forma de sentir do povo português?

Revela a perpetuação da mediocridade. Salazar surge como uma espécie de Messias, uma personagem capaz de resolver os problemas. Não nos sentimos bem, não era isto que esperávamos da democracia. Precisamos de um chefe novo, então escolhemos um messias. É a mesma reacção que tivemos durante o período filipino com a figura de D. Sebastião. Hoje as pessoas projectam no Estado Novo questões como segurança, estabilidade ou a resolução dos seus problemas, e encontram na figura de Salazar a salvação.

É verdade que a sua ida para Timor, em 2000, também foi uma forma de protesto contra a sociedade materialista?

Sim. Vivemos numa sociedade muito egoísta, materialista, em que se valoriza o ter. Precisava de me afastar desta realidade. Senti muitas vezes necessidade de me ausentar. Mas não é uma fuga.

É uma purificação?

Sim. É uma tentativa de encontrar o essencial dentro de mim mesmo. Parece-me que este é o ponto de partida para uma contribuição na realização de um mundo melhor. Espero que algumas pessoas reflictam sobre os meus actos.

Mas não é um acto egoísta?

É uma questão de crença. É um acto muito exigente. O monaquismo, que começa com os eremitas do deserto no século IV, criou um movimento de ruptura com a sociedade. Se a pessoa que se recolhe ao isolamento concentra todas as suas energias e inteligência na procura de Deus de uma forma radical e acredita que Deus é aquele que preside à vida humana, Ele orientará e salvará a Humanidade. E portanto o que é bom para um poderá ser bom para todos, dado que o Bem alastra de uma maneira misteriosa.

Faz estes retiros com muita regularidade?

Não.

E são solitários?

Nem sempre. Gostaria de o fazer. Mas não tenho tido coragem para isso.

O silêncio é para si muito importante. O que é que procura no silêncio?

A certeza das coisas. No silêncio encontro a simplificação, a essência das coisas, a sua pureza e simplicidade. É por isso que estou aqui, neste monte. Gosto deste isolamento, da paisagem árida, não cultivada, de geração espontânea.

Quando foi para Timor disse que não continuaria a fazer investigação e que se iria dedicar a dar testemunho da sua própria vida. Não cumpriu. Foi responsável pela biografia de D. Afonso Henriques para o Círculo de Leitores.

(Risos) O meu propósito era esse. Fui com uma equipa de voluntários, onde se incluía a minha mulher, para uma acção de apoio em Timor durante as férias de Verão. Fui responder a uma solicitação da ONU para trabalhar os arquivos, que estavam num depósito, uma autêntica lixeira, no sótão do Palácio do Governador, que era preciso salvar. Estava em Timor quando morreu o dr. Luís Kruss, meu assistente e grande amigo, o historiador responsável pela biografia de D. Afonso Henriques. Pediram-me que o substituísse.

Foi para Timor por três meses. Ficou cinco anos e escreveu o livro «A Dignidade de Konis Santana e a Resistência Timorense.»

Com os materiais que encontrei no arquivo da Resistência percebi que podia fazer a sua história. Foi isso que fiz sob a forma de biografia de Konis Santana.

Escreveu a história da Resistência Timorense a partir de um guerrilheiro que dirigiu a luta no período em que Xanana Gusmão esteve preso. Por que é que personalizou a história do movimento?

Qualquer outra perspectiva tinha de ser ainda mais parcial em relação a todos os sectores e contradições que existiram dentro da Resistência. Por isso escolhi uma personagem importante mas que já tinha desaparecido. E o Konis foi das personalidades menos contestadas dentro da Resistência.

Mas o facto de ter entrado no esconderijo onde Konis Santana morreu e ter encontrado os baús com a sua documentação também ajudou?

Sim. Ali encontrei muita documentação pessoal. Textos, notas autobiográficas, discursos, correspondência. O Konis tinha a preocupação de guardar até as cópias das suas próprias cartas. Tinha ali informação suficiente para retratar bem o perfil daquela personagem.

A dignidade é uma palavra-chave naquela obra. Impressionou-o o porte vertical dos timorenses ?

Sim. Foi um povo que manteve a dignidade apesar da violência que sofreu às mãos dos indonésios. Voltou a receber os portugueses de braços abertos. Pouco tempo depois de eu chegar a Timor, realizou-se em Díli um colóquio e o dr. Ramos-Horta pediu-me para fazer uma comunicação sobre a identidade nacional. No debate que se lhe seguiu perguntaram-me se a dignidade era importante para a identidade nacional. A dignidade é muito importante para a construção de uma identidade, quer pessoal, quer nacional. O conceito de dignidade colectiva faz com que um povo lute pela sua independência.

E os timorenses têm essa noção?

Sim. Têm dignidade não enquanto nação mas na estreita relação com a etnia a que pertencem, com a língua. Apesar de serem um povo humilde e de terem consciência disso, não se deixam atingir enquanto pessoas. No caso de serem confrontados respondem com violência.

Sentiu-se fascinado com aquilo que designou como a «miraculosa vitória da independência». Como vê a situação actual?

Escrevi isso antes da situação actual. Tudo o que aconteceu entristeceu-me muito e até me surpreendeu. Eu sempre tive a percepção de que não entendia os timorenses. Quando se conversa com eles nunca se percebe bem o que pensam, ocultam muito os sentimentos. Estava persuadido de que, obtida a independência, os timorenses seriam capazes de se entender e resolver os seus problemas.

Por que é que não se entenderam?

Parece-me que a justificação para a situação actual é que pessoas que obtiveram vantagens com a independência querem ter ainda mais e por isso agitam-se. Acho que os responsáveis pela instabilidade e pela violência podem ser guerrilheiros que tinham autoridade e agora não têm, podem ser pessoas que querem manter cargos que perderam com a saída da ONU, funcionários das ONGs que querem continuar a ser necessários. É difícil interpretar a situação actual, mas também não nos podemos esquecer de que os australianos querem o controlo e a exploração do petróleo e portanto não terão escrúpulos em incentivar a divisão. E é fácil provocar a agitação. Timor é um país com 18 línguas, com comunidades que sempre viveram em guerras umas com as outras. É fácil agitar aquela gente, sobretudo os jovens. Mas não esperava.

O que é que Portugal ainda pode fazer para ajudar aquele povo?

Continuar a investir no ensino do português e dar condições dignas aos grupos de professores que estão há anos por todo o território em situações verdadeiramente miseráveis.

A certa altura pensou ficar por Timor. O que o fez mudar de ideias?

Em Timor eu queria fazer algo de útil. A minha continuação passava pela aprendizagem da língua. Mas não sou muito dotado para aprender novas línguas. Para além disso tenho problemas de audição e o tétum é uma língua que vive muito da oralidade. O meu trabalho no Seminário Maior de Díli, onde dei aulas de História da Igreja, de História da Filosofia e de Introdução do Método Científico, também tinha terminado. E estava esgotado fisicamente. Tive que regressar.

O contacto directo com a tentativa de reconstrução de Timor reforçou a sua convicção de esquerda?

Sim. Mas a minha ideia de esquerda não é o Bloco de Esquerda. Dei uma contribuição ao partido e não a renego.

Mas desiludiu-se com o Bloco de Esquerda?

Publiquei um artigo, quando o Bloco de Esquerda nasceu, em que os comparava aos profetas do Antigo Testamento, que surgiram em protesto ao poder e ao excesso de poder. Esperava isso do Bloco.

Mas ainda se revê no partido?

Já não me revejo e não me sinto obrigado a ser um militante que apoia todas as suas iniciativas ou colabora nas suas estratégias ou orientações. Quando denuncia as coisas erradas estou com o Bloco, mas se resolve lutar pelo casamento entre homossexuais estou contra o Bloco.

No referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez (IGV) esteve com o Bloco de Esquerda.

Não estive com o Bloco de Esquerda, estive pelo lado do Sim.

Como é que um católico, que já foi monge, estava a favor do Sim?

Primeiro que tudo é preciso respeitar uma certa sacralidade no processo da multiplicação da vida. Mas condenar a IGV em qualquer circunstância corresponde a subordinar o homem ao sábado, e não o sábado ao homem. A hierarquia da Igreja concentrou a sua estratégia na obtenção do Não. Se este lado vencesse, as mulheres continuariam a abortar, mas a Igreja já não tinha de se preocupar com isso. A responsabilidade seria delas. A isto chama-se hipocrisia.

Nasceu em Leiria em 1933. A leitura da biografia de São Francisco de Assis provocou-lhe o primeiro apelo místico. Mas antes de ingressar num mosteiro pensou em ser arquitecto.

Li esse livro com 12 anos e percebi que era aquilo que eu gostava de fazer. E pensei ir para o seminário. Mas o meu pai achou que não deveria ir em criança. Que era preferível fazer primeiro o liceu. Disse-lhe que, sendo assim, queria ser arquitecto. Mais tarde li sobre a vida monástica e aquela opção de vida tocou-me muito mais. Sentia-me mais atraído por uma vida de oração. Fui ao Minho e visitei o mosteiro beneditino de Singeverga. Fiquei uns dias, disse ao abade que queria ser beneditino mas que o meu pai queria que acabasse o liceu. O abade achou melhor entrar. Tinha 17 anos e não acabei o liceu cá fora.

Mas estudou lá dentro?

Estudei filosofia e teologia em Singeverga e mais tarde o abade enviou-me para a Universidade de Lovaina, na Bélgica.

Foram os dotes que revelou para a investigação que levaram os monges a encaminhá-lo para o curso de Ciências Históricas. É assim que descobre a vocação para a Idade Média?

O meu pai também tinha um grande apreço pela Idade Média. Era uma ideia um pouco romântica, em que se abordava a história do cristianismo. Foi a época áurea dos monges beneditinos. Se os queria estudar tinha que ser neste período.

O facto de o seu pai ter andado num seminário, ser admirador da monarquia e do regime salazarista e ter dois tios padres, influenciou a sua escolha pela vida monástica?

Sim. Venho de uma família muito religiosa e conservadora. O meu pai era uma pessoa muito boa, compreensiva e tolerante. Apesar do seu conservadorismo, tinha amigos comunistas e amigos republicanos. Era muito respeitador das diferenças dos outros.

Nunca questionou a sua escolha?

Nunca.

Incentivou-o?

Também não. Desde criança que respeitava as minhas opiniões. Dizia-me que deveria ser eu a encontrar o caminho para realizar as minhas virtualidades, as capacidades pessoais. E também fazia isso com os meus irmãos. Um é arquitecto, outro piloto da marinha mercante, outro médico, outro não estudou. Éramos oito filhos e sempre nos encorajou a escolher os nossos próprios caminhos. Todos nós, excepto o mais velho, fomos contestatários das suas opções políticas. Manteve-se monárquico até ao fim.

E salazarista também?

Não especialmente. Ele foi aluno de Salazar, estudou Direito em Coimbra. Considerava-o frio, implacável, sem consideração pelas pessoas, mas também achava que Salazar tinha feito uma boa obra na pacificação do País. Concordava com a ordem, as hierarquias, o favorecimento da Igreja, mas achou sempre que havia um favorecimento excessivo das pessoas sem personalidade. Nunca pertenceu à União Nacional.

No tempo que esteve em Lovaina, sente os ventos de mudança que sopram no meio católico, influenciados pelo Concílio Vaticano II. Quando regressa, tenta aproximar a vivência no mosteiro ao novo ideal católico. Mas não consegue e sai. Como é que se deu esta ruptura?

O Concílio Vaticano II trouxe a renovação teológica e da relação entre a Igreja e o mundo. Os teólogos pós-Concílio procuram encontrar uma via de encontro, um diálogo entre a Igreja e o mundo. Esta renovação não se fez sentir no interior do mosteiro. O regresso às origens implicava uma vida contemplativa. E isso pouco existia. Ainda fui para o mosteiro de Monserrat, em Espanha. No regresso, tentei persuadir o abade a autorizar um grupo de monges a formar uma comunidade pequena voltada para a contemplação, para a oração. Não foi possível e saí.

Ao fim de 20 anos de vida monástica envolve-se com os meios católicos progressistas e empenha-se em campanhas de alfabetização dos meios rurais. Conhece então a mulher com quem viria a casar.

Sim. Pedi a dispensa dos votos, que me foi concedida. Quando fui para Lisboa trabalhei activamente com o movimento de Reflexão Cristã, que não era bem visto no seio da Igreja por incluir leigos. Considerei sempre o seu trabalho positivo porque me pareceu que o pensamento católico e a teologia eram coisas importantes.

O Papa actual permitirá este encontro?

Ratzinger é um teólogo e do ponto de vista racional tem todas as possibilidades de entender isso, mas procura investir todo o seu conhecimento no apoio das linhas mais conservadoras e mais reaccionárias. Está convencido de que desta forma poderá manter a união da Igreja e evitar as heresias.

Tem três filhos. Algum deles abraçou a vida espiritual?

Todos eles praticam a religião católica, mas fazem-no numa atitude de liberdade que eu acho positiva. Participam nas cerimónias festivas como o Natal e a Páscoa.

Tal como o senhor.

Sim. A fé para nós é fundamental e estruturante na nossa visão do mundo e nas nossas atitudes, mas não somos praticantes assíduos.

Em 1987, uns dias antes de ser o primeiro galardoado com o Prémio Pessoa, faz um retiro numa aldeia da serra do Açor. Como é que geriu a fama dada pelo Prémio Pessoa?

Antes da atribuição do Prémio Pessoa tinha publicado a obra «A Identificação de um País», e creio que foi essa obra que me levou ao prémio e ao reconhecimento público da minha investigação. Sempre fui suficientemente realista para reconhecer as minhas limitações pessoais e intelectuais. Sempre soube que há valores muito mais importantes que o sucesso e que o fundamental no ser humano é ser fiel a si próprio. Ter ou não sucesso sempre foi, para mim, secundário.

Mas ficou contente com o reconhecimento?

Claro que fiquei. Mas o facto de o prémio ser atribuído numa altura muito especial da minha vida, em que estava num longo retiro, em grande isolamento, também contribuiu para não me deixar embalar com o sucesso social ou desempenhar papéis que não correspondiam à minha personalidade. O Prémio Pessoa tornou-me mais consciente das minhas responsabilidades.

Nunca se sentiu atraído pelo poder?

Não. Mas assumi cargos importantes no mundo académico. Um meio cheio de rivalidades, de intrigas, de golpes baixos.

A venda da «História de Portugal» foi superior à dos «best-sellers» de Margarida Rebelo Pinto. Como é que lida com o dinheiro?

(Risos) Na minha vida, posso dar graças a Deus por ter tido sempre mais do que o que precisava. Não tenho nenhuma fortuna. Quando ganhei o Prémio Pessoa perguntaram-me o que ia fazer ao dinheiro. Disse que dava para comprar um carro mas não dava para comprar uma casa. Foi depois do sucesso da «História de Portugal» que comprei este terreno, fiz as obras que nos permitem aqui viver e criar condições para trazer a minha biblioteca.

Tem consciência do seu contributo para o desenvolvimento da historiografia portuguesa?

Penso que sim. Mas não fui o único. Depois do 25 de Abril houve um progresso historiográfico e científico notável, resultante das condições gerais do País, do aparecimento de novas universidades e da possibilidade de se fazer investigação. Eu participei neste movimento mas ele foi muito maior do que o meu trabalho.

Lidera uma equipa responsável pelo tratamento da documentação dispersa do arquivo do Ministério do Ultramar. Está ali a história dos independentistas africanos?

Em parte sim. Há relatórios policiais. Há documentação sobre conversações internacionais. Não analisei a documentação, o objectivo não é esse. Estão ali documentos que não só interessam a Portugal, mas sobretudo aos países africanos e aos historiadores internacionais.

Quando os arquivos forem trabalhados haverá revelações surpreendentes?

Julgo que está ali documentação muito significativa para os movimentos independentistas e também para a história da política portuguesa nas colónias. O que importa é que poderá estar ali a resposta para algumas questões da história da colonização que não foram respondidas.

Como é o seu dia-a-dia neste ermo no meio do Alentejo?

Levanto-me cedo e mesmo antes de tomar o pequeno-almoço faço um pouco de ginástica. São uns exercícios chineses muito simples - chin-gu uma variante simples de thai-chi - que aprendi com um mestre malaio em Lisboa. Estes exercícios ajudam-me a ter um certo equilíbrio. Vou a Mértola ver o correio e o meu amigo Cláudio Torres. Também criámos uma relação especial com os pastores que vêm por cá com os rebanhos. Vejo alguns jornais na Internet mas não perco muito tempo com eles, são muito repetitivos.

Vê televisão?

Antes de ir para Timor não tínhamos televisão. Comecei a ver televisão lá, porque havia um grande isolamento cultural. Aqui vemos canais estrangeiros, sobretudo os alemães e o ARTE. Não vemos os nacionais. Sentimo-nos incomodados com a concepção que a televisão portuguesa faz das notícias e da informação.

Aprecia comida alentejana?

Sim. Mas prefiro uma comida simples, elementar, quase vegetariana.

Está a fazer alguma investigação?

Não. Penso que terminei o meu trabalho de investigação. Sinto que a idade é implacável e é preciso aceitar isso, sem dramatismos, com toda a simplicidade.

Já disse que gostaria de dar testemunho da sua própria vida. De que forma o pretende fazer?

Pela vivência. Tornou-se público que vim para aqui, para estar num sítio isolado. Mas não sei o que a vida me reserva. A Zé (actual mulher) tem uma casa perto de Albergaria-a-Velha, com outras acessibilidades. Morrerei lá, possivelmente.