terça-feira, abril 10, 2007

O MINISTRO GAGO

Luz e sombras na intervenção de Mariano Gago
jornal PÚBLICO, 10/04/2007

Foi um erro misturar uma questão de Estado - o encerramento de uma universidade - com uma questão política por definição passageira - a licenciatura de José Sócrates

1 O ministro Mariano Gago fez o que devia e o que se esperava: mandou encerrar a Universidade Independente. Se não o tivesse feito ontem, face à exuberante demonstração de compadrios, vigarices, esbulhos, abusos de confiança, negação radical do que deve ou não ser uma Universidade que se acumularam durante as últimas semanas, o ministro teria de se explicar muito bem perante o país. Quando os principais dirigentes estão presos ou tiveram de pagar avultadas cauções para continuar em liberdade; quando se tornou por de mais evidente que não havia ali nada que se assemelhasse ao normal funcionamento de uma instituição universitária; quando se percebeu que os desesperados alunos não podiam ser mantidos, nem mais um dia, no limbo da indefinição, era obrigação do Estado impedir que o desvario continuasse. Até em nome das principais vítimas, os alunos.
Se alguma coisa se estranha nesta intervenção ministerial é o seu atraso. A UnI, sabe-se agora, não pagava a muitos dos seus professores, ou pelo menos não pagava a tempo e horas; tinha anos de rendas em dívida na Caixa Geral de Depósitos, o banco público por excelência; acumulava também dívidas junto da Câmara Municipal de Lisboa; e tivera de enfrentar sucessivas acções de inspecção e avaliação, quase todas elas negativas ou quase, ao longo da última década. Mesmo não sabendo que os seus dirigentes andavam a comprar andares e iates, será que o Estado não devia ter feito qualquer coisa mais cedo? E falo em Estado porque o assunto atravessa numerosos governos durante os quais nunca, ou quase nunca. Se mostrou sequer um cartão amarelo à UnI. Importará saber porquê, razão pela qual a esta correcta decisão de Mariano Gago se deveria seguir outra: tornar públicos e facilmente consultáveis na Internet todos os documentos que ao longo dos anos foram entregues pela UnI ao ministério, como aqueles que o próprio ministério produziu.
É útil perceber se é falso ou verdadeiro aquilo de que muitos desconfiam. Isto é, que foi na UnI que concluíram as suas licenciaturas muitos políticos importantes (fala-se de nomes do PS e do PSD, talvez injustamente...); que a UnI teve como docentes outros políticos (Marques Mendes, Jorge Coelho, mas durante quanto tempo?); e que só se chegou à actual situação porque muitos calaram ou fecharam os olhos.
Em nome da sociedade da informação e da transparência da governação, dois valores que Mariano Gago diz prezar, facultar toda essa informação ajudaria a separar o trigo do joio.

2 O ministro Mariano Gago esteve mal, muito mal mesmo, quando deixou que a sua decisão sobre o fecho da Independente se transformasse na sua avaliação da forma como essa universidade aceitou como aluno e, depois, concedeu um diploma ao actual primeiro-ministro. Esteve mal porque deu a entender que na UnI tudo estava bem há dez anos e tudo está mal hoje, o que não é correcto. Esteve mal porque atribuiu todas as falhas no processo de licenciatura de José Sócrates à UnI ao mesmo tempo que valorizava a opção do primeiro-ministro por ter decidido concluir a licenciatura naquela escola. E esteve sobretudo mal porque ao dizer que tudo era culpa do mau funcionamento da UnI não só não deu um só elemento para o demonstrar (há semanas que o podia ter feito se tivesse respondido ao questionário que lhe foi enviado pelo Expresso...), como acabou por apunhalar o seu companheiro ao dizer que ele estudou e se licenciou numa escola caótica, escola caótica essa que continuou a funcionar normalmente dois anos depois de ele próprio ter tomado posse.
Julgo que o Mariano Gago que, noutros tempos bem anteriores ao 25 de Abril, presidiu à Associação de Estudantes da - porventura - mais prestigiada escola de engenharia do país, o Instituto Superior Técnico, não se reconheceria nos malabarismos do ministro. Só que não se pode misturar água e azeite, e foi um erro misturar uma questão de Estado - o encerramento de uma universidade - com uma questão política necessariamente passageira.
José Manuel Fernandes

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