sexta-feira, março 23, 2007

A história repete-se?

Liberdade ou segurança?

Não há memória de uma má medida ter sido tomada por pura maldade. Em política, os resultados desastrosos surgem sempre como propostas razoáveis

Muitos comentadores interrogaram-se: e se tivesse sido a direita a aprovar um modelo que concentrasse todas as polícias nas mãos do primeiro-ministro? O que não diria o PS? O que não diriam todos os socialistas?

A pergunta é razoável e é quase certo que os socialistas diriam cobras e lagartos dessa medida e aproveitariam para colocar os mais negros intuitos no partido e no primeiro-ministro que ousasse propô-la. Mas, claro, quando são eles a decretá-la acham que a sua história fala por eles, que estão acima de qualquer suspeita.

Historicamente, isso não é verdade. Medidas desastrosas para a liberdade foram tomadas tanto pela esquerda como pela direita. E nenhuma delas foi apresentada tendo como objectivo a perda da liberdade, ou como consequência de uma qualquer perversidade dos governantes. Hoje é fácil olhar para trás e ver os crimes de Hitler e Estaline. Mais difícil era vê-los na altura. Hoje é fácil olhar para trás e ver o rombo das nacionalizações e a loucura do PREC, mas a maioria, na altura, não parecia acreditar nisso.

Quase todas as ideias perversas para a liberdade nasceram da necessidade de segurança. A concentração das polícias é mais uma que surge com essa justificação. Não será o fim do mundo, nem da democracia, nem da liberdade mas é, certamente, demasiado poder demasiado concentrado. E quando se chega a este ponto, é fácil passar a fronteira. Por vezes, sem que quase ninguém dê pelo facto de se estar a passar a fronteira.

Outra coisa bem diferente é saber se muitas pessoas não estão, em diversas circunstâncias, dispostas a sacrificar a liberdade. Não só quando se escolhe Salazar como bom tipo e se lhe dedica um museu (os republicanos, no século XIX também elegeram Pombal como modelo), mas em pequenas insignificâncias do dia-a-dia.

Por exemplo: quando se apela à proibição de anúncios (Armani Junior, Dolce & Gabbana) em nome de uma moral mais ou menos politicamente correcta, não se limita a liberdade criativa? Nas constantes solicitações para que o Estado regule e decrete sobre as mais diversas actividades, não se diminui a liberdade e responsabilidade individuais? Nos constantes subsídios que certos empresários pedem ao Estado não se sacrifica a liberdade e o risco de negócio e de comércio? Ou, naquilo que a mais gente toca, quando se defende a rigidez do contrato de trabalho, não se sacrifica a liberdade contratual e a mobilidade?

Estas questões concretas são inconvenientes. Porque antes de perguntarmos o que diria o PS acaso a lei fosse do PSD, é preciso entender o que diria o país num caso ou noutro. E, infelizmente, a resposta a esta última pergunta não é de molde a tranquilizar-nos totalmente. Não temos uma sociedade onde a liberdade surja como necessidade primordial. Em diferentes sectores aceitamos o seu sacrifício. Eis uma explicação possível para o facto de a concentração dos poderes policiais (devidamente justificados em nome da segurança) não levantarem qualquer polémica. Mas, recorde-se, as escutas telefónicas, no momento em que foram aprovadas, também não suscitaram qualquer debate.

Depois, foi o que se viu.

editorial do jornal EXPRESSO, edição de 24 de Março de 2007

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