quarta-feira, setembro 27, 2006

Palavras de poetas ( #01)

Definição

O futebol
é o medo aos sete anos
de pedir ao pai para
trocar uma equipa de bairro
por uma multinacional
(e ele ter achado que sim). É o guarda-redes
da multinacional
a fazer defesas piores
que o guarda-redes
da equipa do bairro. E é o choro
quando perdíamos em casa
com equipas inglesas. O futebol
é ver os jogos com a minha mãe
e tentar dormir pensando que sou um
jogador e a minha
equipa faz boas jogadas
e marca muitos golos.
O futebol não é isto que está a dar na televisão
(e eu também já não sou aquilo).


Nuno Costa Santos, Os dias não estão para isso, Editorial Livramento, 2005: 31

terça-feira, setembro 26, 2006

Anonimato e opiniões válidas

Opinião de Márcia Rodrigues, recebida por e-mail, em 22 de Setembro:
«Boa tarde!
Não é meu costume fazer comentários, ainda mais sem saber a quem me estou dirigindo, mas ao ler o seu blog apeteceu-me faze-lo, fiquem surpreendida ao ver que não aceita comentários anónimos apesar do seu blog ser anónimo.
Ainda assim cá vai, a minha opinião e o meu contributo para a organização da festa "Maior" do nosso Concelho.
Penso que a "lotação esgotada" na matriz para ouvir a Orquestra Sinfónica e o Grupo Coral é prova de que, as pessoas sabem apreciar os bons eventos culturais, quando os há. Eu sou das pessoas que viu e ouviu pelo menos um pouco de todos os espectáculos, cada qual o seu estilo, mas não necessáriamente diferente público. Para mim, a Semana dos Baleeiros tem dois problemas, o tempo e o espaço. Tempo porque é a última das grandes festas e realiza-se no final do mês (já não há dinheiro). Espaço porque fica longe das "portas de entrada" da ilha, sendo por isso díficil, além de dispendioso (transportes da Madalena ou do Cais em condições só de táxi), para quem vem de outras ilhas nos visitar.
Este último ponto penso que é crucial, e aplica-se para todo o ano. É necessário investir nas "acessibilidades" às Lajes.
Uma ideia seria um mini-bus "expresso" que fizesse a ligação directa, sem paragens, de e para a Madalena e, de e para o Cais, de acordo com o horário dos tranportes maritímos. Penso que seria um investimento que traria muito retorno para todos, os que vem nos visitar, e os que cá vivem.
Muito obrigado, pela atenção dispensada.»


O nosso comentário:
Antes de mais, agradecemos a sua opinião. Sobre a questão do anonimato, devemos dizer-lhe que, por princípio, estamos de acordo com o que nos diz. Contudo, pedimos-lhe para analisar duas opiniões nossas. A primeira: parece-nos razoável que sejam as ideias e opiniões tão boas ou tão más para discussão, independentemente de quem as emite. A segunda opinião é esta: em certos espaços da blogosfera, caluniam-se e difamam-se - impunemenente - pessoas e instituições do nosso Concelho; aqui, não caluniamos nem difamamos, donde nos parecer razoável, manter o anonimato, visto que com ele não prejudicamos ninguém.
Sobre a Semana dos Baleeiros: parece-nos interessante a sua ideia dos "expressos". Fica o desafio lançado, esperando que quem tenha tenha os meios financeiros possa tornar realidade a ideia num destes próximos anos.
Esperamos também que outros se juntem a nós nesta - e noutras - conversas: sob anonimato ou não, desde que as opiniões sejam construtivas. Mais uma vez, agradecemos o seu contributo.

sexta-feira, setembro 22, 2006

Cutileiro nas Lajes do Pico

De Newsletter do IAC-Instituto Açoriano de Cultura:

«O IAC-Instituto Açoriano de Cultura, em parceria com a Carmina Galeria e com as câmaras municipais da Horta e das Lajes do Pico, apresenta de 23 de Setembro a 22 de Outubro na Carmina Galeria e de 10 de Novembro a 5 de Janeiro, na Galeria Municipal das Lajes do Pico uma exposição de escultura com obras de João Cutileiro.
Desloca-se à ilha Terceira, a convite do IAC-Instituto Açoriano de Cultura, para estar presente na inauguração da exposição, no próximo dia 23, sábado, pelas 18 horas, o escultor João Cutileiro.

No decurso do continuado empenho em que o IAC-Instituto Açoriano de Cultura se emprega para poder proporcionar nos Açores o acesso a referências da Arte Contemporânea, Jorge A. Paulus Bruno, Presidente da Direcção do IAC, refere “que esta exposição de João Cutileiro – figura indissociável da história da escultura em Portugal, o escultor da mudança – constitui-se como um momento alto da programação cultural dos Açores.”
João Cutileiro, referência maior da escultura portuguesa, é o grande obreiro da viragem da escultura no nosso país, tendo quebrado com o classicismo estilizado que se vivia no período da ditadura em Portugal, quando a iconografia estereotipada, que resultava das encomendas oficiais do regime, povoava Portugal de “heróis, santos e descobridores”.
D.Sebastião, peça sua erigida na cidade de Lagos, em 1973, aquando da comemoração do quarto centenário daquela cidade, representou o momento de viragem da escultura e terá sido uma das obras mais polémicas em toda a história da escultura em Portugal, como refere José Augusto França: “Em 1973 foi possível imaginar o rei «desejado», inquieto e falso herói. A sua figura confessa-o assim, como um fantasma vindo do fundo do tempo, espantalho da história, caricatura do Mito. Boneco dado à nossa piedade e oferecido à nossa meditação... Com isso, uma notável obra da estatuária contemporânea (....), a quebra de uma triste tradição de academismo «modernizado». Lagos pode estar orgulhosa de ter uma das melhores estátuas de Portugal.”
A exposição que agora é apresentada em Angra já esteve presente na cidade da Horta no âmbito do programa dos Encontros de Porto Pim, cuja produção foi da responsabilidade do IAC-Instituto Açoriano de Cultura, com financiamento da Secretaria Regional do Ambiente e do Mar, em parceria com a Câmara Municipal da Horta.»

ANTOLOGIA (#3)

«Bárbaros são aqueles que acreditam que os outros à sua volta são bárbaros. Todos os homens são iguais, mas nem todos o sabem; alguns julgam-se superiores aos outros e é justamente nisso que são inferiores, por isso nem todos os homens são iguais. Conclui-se assim que o facto de determinados povos se julgarem superiores leva a enunciar um julgamento que à partida se quis condenar: que os outros são inferiores.»

TzvetanTodorov

quarta-feira, setembro 20, 2006

ANTOLOGIA (#2)

«A humanidade acaba nos limites da tribo, do grupo linguístico, por vezes até da aldeia. A tal ponto que um grande numero de populações ditas primitivas se designam a si próprios com um nome que significa os homens (ou às vezes – mais discretamente? – os bons, os excelentes , ou os completos ), implicando assim que as outras tribos, grupos ou aldeias não participam das virtudes – ou mesmo da natureza – humanas, mas são quando muito constituídas por maus, por macacos da terra ou por lêndeas. Chegaram até a privar o estrangeiro deste último grau de realidade fazendo dele um fantasma ou uma aparição. Assim se verificam situações curiosas em que dois interlocutores se dão cruelmente réplica. Nas Grandes Antilhas, alguns anos após a descoberta da América, os espanhóis enviavam comissões para investigar se os índios possuíam ou não uma alma, enquanto que estes últimos afogavam prisioneiros brancos para descobrir, através de uma vigilância prolongada, se os seus cadáveres estavam ou não sujeitos à putrefacção.»

Claude Lévi-Strauss, Raça e História (1952)

ANTOLOGIA [#01]


«(...) A crítica que insiste em empregar um padrão de julgamento é incapaz de apreciar mais do que um pequeníssimo sector das obras que se publicam - aquele em que esses padrões possam ter alguma validade. E a crítica que não se quer submeter a nenhum, tem de renunciar a qualquer tentativa de julgamento. Tem de limitar-se ao critério de sua sensibilidade, e sua sensibilidade é também uma pequena zona, capaz de apreender o que a atinge, mas incapaz de raciocinar claramente sobre o que foi capaz de atingi-la. (...)»

João Cabral de Melo Neto [Recife, 1920 - Rio de Janeiro, 1999], in Poesia e composição. A inspiração e o trabalho de arte, Coimbra, Angelus Novus, 2003: pg. 6)

terça-feira, setembro 19, 2006

"Traca de opiniães"

«A escritora inglesa Joanne Harris, autora de "Chocolate", entre outras obras igualmente melosas mas de grande venda mundial, esteve nos Açores, com a filha, em serviço para o jornal inglês Telegraph e gostou muito do que viu.
Tendo estado nas ilhas de S. Miguel, Faial e Pico, é natural que não tenha tido oportunidade de se indignar com o serviço de transporte de passageiros inter-ilhas ou com a falta de voos charter de e para a Terceira. Antes preferiu chamar à sua crónica "Porque é que eu adoro os Açores" e considerar a nossa Região como "as ilhas fantasiadas na sua infância". Teve a ousadia de achar que "a hora de ponta demora cinco minutos" e que "não há criminalidade".
Voltou muito satisfeita para Inglaterra. Coitada, não teve oportunidade de conhecer as teses ousadas, originais e altamente especializadas que por cá vingam sobre Turismo, Transportes e Segurança. Deve ser falta de mundo.» - texto de Um blog tipo assim. Obrigado. J.

segunda-feira, setembro 18, 2006

Fazer o bem sem olhar a quem?

O Conselho do Governo Regional, no fim da sua Visita Estatutária, emitiu um Comunicado oficial (Madalena, 15 de Setembro de 2006). Dele resgatamos as medidas, nove, que dizem directamente respeito ao Concelho das Lajes do Pico:
1. Autorizar a abertura de um concurso público com vista à adjudicação da empreitada da obra de ampliação do Museu dos Baleeiros, nas Lajes do Pico, pelo valor global estimado de um milhão e 100 mil euros, acrescido de IVA à taxa legal em vigor. A ampliação deste espaço implicará um diálogo interactivo e dinâmico com o público, tornando-se num elemento activo da vida social e das tradições do povo açoriano;
2. Aprovar uma Resolução que visa apoiar, ao abrigo da cooperação financeira indirecta, a Câmara Municipal das Lajes do Pico na execução de três projectos: um de investimento em saneamento básico, um de investimento em rede viária e um outro de valorização da zona balnear de Santa Cruz das Ribeiras.
O apoio disponibilizado pelo Governo Regional irá permitir àquela autarquia a concretização de um investimento global de 1.734.715,67 euros.
3. Proceder à abertura, no âmbito da Rede Integrada de Apoio ao Cidadão (RIAC), de dois novos Postos de Atendimento ao Cidadão nas localidades das Lajes do Pico e de S. Roque do Pico. A abertura destes dois novos postos insere-se no processo de modernização administrativa que o Governo Regional tem vindo a aplicar em todas as ilhas, contribuindo, desta forma, para o reforço das políticas de proximidade com os cidadãos. Durante o próximo ano, a rede de Postos de Atendimento ao Cidadão será estendida a outras freguesias da ilha do Pico.
4. Conceder, no âmbito do funcionamento dos postos de acesso público à Internet, comparticipações financeiras, no valor de 7.500 cada, aos espaços TIC localizados na Madalena, Cais do Pico, Ribeira do Meio, São João, Ribeiras, Ribeirinha, Calheta do Nesquim e Piedade.
7. Autorizar a Secretaria Regional da Educação e Ciência a lançar concurso público para a elaboração do projecto das novas instalações da Escola Básica e Secundária das Lajes do Pico.
9. Dar orientações à administração dos Portos das Ilhas do Triângulo e do Grupo Ocidental para lançar o concurso da empreitada do núcleo de recreio náutico das Lajes do Pico, com o valor estimado de 2.900.000, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, e com um prazo de execução de 12 meses.
14. Apoiar a construção do Lar de Idosos das Lajes do Pico, da Santa Casa da Misericórdia, no valor estimado de um milhão de euros.
16. Desencadear os procedimentos necessários ao início das obras de beneficiação dos Caminhos Rurais e Florestais do Cabeço da Laje/Lomba de Santo Amaro (Ribeiras, Lajes do Pico) e Caminho Acima da Canada (Lajes/Lajes), bem como a II fase do Caminho do Brejo (Bandeiras, S. Mateus, Madalena), através da execução de trabalhos de melhoria da respectiva rede de drenagem, assim como o seu revestimento e repavimentação betuminosa numa extensão de 8,5 quilómetros, representando investimento de 320 mil euros.
25. Autorizar a abertura de um concurso público para a construção de seis casas de aprestos no Porto da Calheta de Nesquim.
27. Ordenar a execução do projecto de ampliação do terrapleno e da requalificação da rampa de varagem do Porto da Manhenha.

quinta-feira, setembro 14, 2006

Democracia

A democracia é um sistema de funcionamento político das nações. Tem fundamentos filosóficos e outros. Não é, como pretensamente outros sistemas, de “direito divino”. Pensada e concretizada por seres humanos, a democracia tem os defeitos e virtudes que os mesmos seres humanos colocam nos seus pensamentos e feitos - os mesmo seres humanos que fazem guerras onde são vitimados milhões de outros seres humanos; os mesmos seres humanos que pelas suas acções e omissões colocam o planeta onde vivem todos os seres humanos em risco de extinção.
Nas chamadas “democracias ocidentais”, como a nossa, os partidos políticos são um dos instrumentos do sistema democrático; sem eles, não se concebe a democracia - por enquanto. Os partidos, tal como a democracia, igualmente não são de “direito divino”. Os partidos, têm Programas, Estatutos, Financiamentos, Militantes (leia-se, pessoas que pagam quotas e se obrigam a cumprir e a fazer cumprir o Programa e Estatutos), enquadramento legal, história e ideologia. Mas, se pensarmos com mais cuidado, vemos que só existem porque determinadas quantidades de seres humanos se dispõem a dar-lhes corpo. São estes seres humanos, dos partidos A a Z, tão seres humanos como os demais que não integram esses partidos nem sequer votam neles – quando a democracia lhes exige o cumprimento desse dever, mais do que direito... Um ser humano, por pertencer ao partido A, não é melhor do que outro ser humano que pertence ao partido B – nem vice-versa. Em todos os partidos – de A a Z – há seres humanos honestos, trabalhadores, inteligentes e dedicados ao bem público.
Na ilha do Pico, no concelho das Lajes do Pico, há seres humanos assim: honestos, trabalhadores, inteligentes e dedicados ao bem público; e nenhum partido tem o privilégio de ser o único que tem seres humanos deste gabarito. Ainda bem. Para a democracia.

segunda-feira, setembro 11, 2006

Visita do Governo

O Governo Regional vem nos dias 13, 14 e 15 fazer ao Pico uma Visita Estatutária. Esperemos que esta visita sirva para mais qualquer coisa do que propagandas & inaugurações - algumas de obras ainda não terminadas... Esperemos que dialogue com os municípios e com os agentes locais (do turismo, da cultura, do mundo empresarial, etc.). Esperemos.

sexta-feira, setembro 08, 2006

Mais dois olhares sobre a Semana dos Baleeiros

Sob a rubrica “A Olhar p’ró Pico” e com o título «No vulto» de uma semana inteira o VULTO MAIOR esteve na Matriz”, João Brum publicou na edição de hoje (8 de Setembro) do jornal Ilha Maior, o artigo, ainda sobre a Semana dos Baleeiros. Sobre o mesmo tema, outro artigo, desta vez de Carlos Alberto Machado, também sobre a Sinfónica e o Coral das Lajes, n’O Dever de 31 de Agosto (página 2), com o título “Beleza rara”. Com a devida vénia aos respectivos autores e jornais, transcrevemos na íntegra estes dois artigos. Aproveitamos para dizer a alguns dos nossos leitores mais assustados que a publicação de artigos de imprensa aqui não nos obriga a estarmos de acordo cem por cento com eles; publicamo-los por nos parecerem perspectivas bem fundadas sobre a nossa vida social e por isso a solicitarem a serena reflexão de todos. Feito o esclarecimento, eis as prosas:

No «vulto» de uma semana inteira o VULTO MAIOR esteve na Matriz
À parte o religioso, cada vez menos “popular”, o grande vulto da Semana dos Baleeiros teve afinal lugar no seio da Igreja Matriz das Lajes.
Refiro-me à exibição da Orquestra Sinfónica Juvenil, só e em conjunto com o Grupo Coral das Lajes do Pico. Segundo a análise que brota de currículo uns graus acima do já por alguém dito “popularucho”, este acontecimento distinto fez a cúpula de toda a Semana e de suas celebrações.
Nem todos, é certo, pensarão do mesmo modo, por faltar-lhes tasca ao lado e o estrebuchar dos sons, mas trata-se da harmonia do talento, e para ela e por ela a Igreja encheu-se como nunca a vira nos três anos em que aqui resido. Os aplausos falaram por si: o que toca na alma sai pelas mãos, lê-se nos olhos, comunica-se e irrompe em êxtase.
Digam que esta análise é impressionista. Não faz mal. Para um amante da música clássica e de corais, mesmo que a escola lhe falte nestes ramos, não lhe falta, porém, a sensibilidade e o uso do bom gosto. É que o clássico é inigualável e de criatividade que eleva e recria. Dêem-me Tchaikosvsky, Beethoven, Mozart, Lizst, Bizet, mesmo Gershwin, e metam-me uma pena na mão, que logo me sinto a perder de vista dos “zabumbas” importados da América, esses que instigam ao roçar e ao despir, ao álcool e à droga que devastam a juventude.
O CONCERTO na Matriz das Lajes valeu, superou as demais actividades culturais que os organizadores da Semana dos Baleeiros trouxeram. O resto, mormente o que enche o bucho e ensurdece, ou o que endoidece e provoca, ofende e rasga a bílis, e ainda arranca lamentos a quem foge a solavancos na velhice ou na doença, é, digamos, negócio. Daqui se exclui o contributo louvável das filarmónicas e o apludível Muitieramá.
O CONCERTO, ao contrário da “festança”, foi de encher as medidas. Na Matriz, talhada para o som do instrumental e das vozes, atingiu o auge e o júbilo. Não há harmonia sónica, ou vozes em uníssono, que se comparem às de uma orquestra sinfónica ou de um grupo coral, ambos estes de renome além fronteiras.
Nas Lajes do Pico temos o Maestro Emílio Porto, que é de formação inicial e essencialmente clássica, portanto ninguém melhor do que ele, na nossa lavra, poderia ir capazmente ao âmago deste espectáculo musical, e espera-se que o faça sem delongas. Apenas o analiso, melhor diria, exteriorizo, como espectador e apreciador.
À parte, repito, o lado religioso em honra da Padroeira dos Baleeiros, a minha ida à Igreja Matriz das Lajes valeu pelos sete dias dos festejos. Apelaria, portanto, às entidades organizadoras para que, de futuro, reconheçam que mais vale pouco, desde que seja bom, neste caso óptimo.

João Brum

Beleza rara
A beleza de um acontecimento está muitas vezes no inesperado de um encontro: num poema, por exemplo, quando uma palavra vem juntar-se a outra de forma singular e assim desperta em nós uma experiência de beleza; o mesmo para uma forma diferente de juntar palavras familiares de uma maneira nunca antes vista; ou a beleza que um crente sente quando é tocado por algo que o transcende.
Por estas ou por outras razões igualmente difíceis de explicar, na noite de ontem, Sábado de Lourdes, na Igreja Matriz das Lajes do Pico, fomos todos surpreendidos por momentos de rara beleza. E, creio profundamente, que a beleza experimentada foi ao ponto de nos deixar a todos com uma lágrima a bailar nos olhos e a sentir um aperto na garganta. Foi assim que me senti e foi isso que me pareceu ver nos rostos de muitos homens e mulheres de todas as idades e origens.
Os lajenses presentes sabem do que falo: do encontro, de rara beleza, entre o Grupo Coral das Lajes do Pico e a Orquestra Sinfónica Juvenil, de Lisboa. Olhei demoradamente para cada rosto do coro e em certos momentos tive receio que não conseguissem cantar mais, tal era a emoção, a alegria e o deslumbramento com que o faziam. Quando um momento destes tem lugar tão perto de nós, tudo se dissipa e fica apenas o sentimento de comunhão de um acto sagrado que é este, o de saber unir espiritualmente pela música centenas de pessoas.
Nas filas atrás de mim ouvi expressões como “espectáculo inesquecível!”, “tão lindo!” , “momento histórico!”: todas tão verdadeiras e ao mesmo tão incapazes de dizerem tudo o que quereríamos dizer sobre o que tínhamos acabado de presenciar.
Num outro plano, julgo que este acontecimento vem demonstrar quão estéril é a discussão sobre a primazia, em termos de genuinidade e qualidade, do “tradicional e popular” ou do “clássico e erudito”. O encontro entre o Grupo Coral das Lajes do Pico e a Orquestra Sinfónica Juvenil, de Lisboa demonstra claramente que as duas distintas formações têm imensos pontos de contacto; demonstra claramente que todos ganhamos quando partimos de coração aberto e boa fé para um encontro de irmãos: a fraternidade da música e dos músicos. Não para esbater as diferenças entre uns e outros, mas para realçar o que essas diferenças juntas podem construir de belo. E, como vimos e ouvimos, foi uma construção de rara beleza!
Este caso concreto tem responsáveis: há meia dúzia de meses, na mesma Matriz, encontraram-se Manuel Emílio Porto, Maestro do Grupo Coral das Lajes do Pico, Sara Santos, presidente da Câmara das Lajes do Pico, e Vítor Mota, director da Orquestra Sinfónica Juvenil, de Lisboa. Não se conheciam entre si mas acreditaram na possibilidade de levar para a frente o projecto do encontro entre o Grupo Coral e a Sinfónica Juvenil. Mais tarde, com o mesmo coração aberto e boa fé, outros elementos foram sendo envolvidos no projecto. A todos eles devemos estar profundamente gratos.

Carlos Alberto Machado

"Quando a Lagoa parou"

Na edição de ontem (7 de Setembro) de O Dever, José Augusto Soares, publica mais uma prosa acertada (Quando a Lagoa parou, página 9), desta vez sobre a actuação da Orquestra Sinfónica Juvenil na Semana dos Baleeeiros deste ano. Transcrevemos aqui integralmente o artigo, com a devida vénia:

Já era noite, a 22 de Agosto. De repente, a mãe castanheta que, junto à muralha do Caneiro, comandava o pequeno grupo de filhas, parou. As mais novas seguiram-lhe de imediato o exemplo. Viraram-se para terra, na direcção da Pesqueira. Extasiadas.
Imobilizados ficaram também sapos, bolarentas, parguinhos e quejandos. Em silêncio. Até os pequenos barcos de pesca ou recreio viraram as proas na mesma direcção, e os inesperados patos encolheram-se e deitaram-se, enlevados.
Toda a lagoa escutava.
Primeiro Haydn, na sua Sinfonia nº 99, composta em 1793, após umas palavras de apresentação feitas a preceito pelo brilhante maestro Christopher Bochmann, à frente da categorizada Orquestra Sinfónica Juvenil. A música encheu o espaço, tradicionalmente habituado à faina do mar, e portanto pouco dado a classicismos, por muito musicais que sejam. O recinto não estaria cheio, mas muitos puderam desfrutar destes momentos, e não erraria se me atrevesse a dizer que pela primeira vez, em alguns casos. Os aplausos não eram de circunstância, como acontece fastidiosamente em muitas ocasiões, mas sinceros, exprimindo gratidão e apreço. Os apreciadores viam concretizado um seu desejo antigo de poder assistir, naquele local, à divulgação da música dita clássica, massacrados que estavam os seus pobres ouvidos por anos de “bombardeamento” por ensurdecedor “batuque”... Nos intervalos, breves, os peixes trocavam entre si olhares de surpresa e júbilo, pois também eles perceberam que se estava a fazer “História” nessa noite.
A “Semana dos Baleeiros” percebera que o público não é só composto por jovens adeptos do barulho e de algumas bebidas alcoólicas, e que também se dirige a quem tem da música um outro entendimento.
E chegou Mozart. Que dedicou a Haydn seis quartetos de cordas em 1785, tal a sua admiração por este, no que foi correspondido pela afirmação de Haydn relativamente ao grande Amadeus: “O maior compositor que conheci”.
Na minha modesta opinião, se Haydn tinha sido magnífico, com Mozart a Orquestra ainda conseguiu um patamar superior. Sublime!
O tempo pareceu voar, tal o grau de atenção com que a execução foi seguida, e quando o final chegou, demos por bem empregue aquele bálsamo de categoria e perfeição.
As condições acústicas poderiam ser melhores, mas até isso foi bem compensado e rapidamente esquecido. Era importante, mas não o essencial.
As castanhetas deitaram as filhas, e todas sonharam com os acordes acabados de ouvir.
Consta que a própria Montanha aplaudiu. De pé.

Rendas do Pico


Com a devida vénia, transcrevemos do site da Câmara o texto de Alberto Correia sobre a exposição Rendas do Pico. 100 anos de memória:
As rendas do Pico levam, de memória, já cem anos e pertencem a um tempo de mulher que foi, em simultâneo, suave e sofredor. Ninguém já se lembra bem desses dias do princípio, dessa distância onde assenta a construção de uma epopeia. Multiplicara-se a gente, a terra tornara-se escassa e avara para pão, fechara-se o mar também à emigração e foi nesse quadro que a renda se tornou ofício de mulher, que ganhou o jeito de um estranho ganha-pão. Nas horas quietas do dia, quando os homens lavravam terra ou rompiam roços de uma estrada, as lides domésticas acabadas, lenhas, águas do poço de maré já carregadas, ei-las, as mulheres, sentadas à janela ou no balcão, novelos de algodão sobre o regaço, uma farpa de ferro magoando às vezes sua mão, ei-las, as rendeiras. Quase sempre sentavam junto de si as suas filhas, logo aos oito anos, ainda eram meninas. À noite reuniam em longo serão, azeite de baleia ardendo na candeia antes de chegar a luz branca do candeeiro “Petromax”, contavam as histórias de vida dos antigos e cantavam.
Cresciam sobre panos brancos as rosetas que elas próprias uniam construindo toalhas de mesa ou naperons. Mais vezes as confiavam às mulheres que davam rendas a fazer, jeito de “empresárias” que governavam a produção e o mercado e eram estas quem depois mandava organizar, com leques de rosetas, as toalhas de mesa e às vezes de altar, os jogos de naperons, as blusas, as beiras de lençol ou de almofada. Obras-primas geravam-se pela sábia combinação dessas rosetas cujo nome se inventara a partir da terra, da natureza que ficava ao seu redor. Chamavam-lhes flores do alecrim, silvas, tremoço, amoras, dálias, margaridas, cachos de uvas, flor do maracujá. E havia as flores da paixão e do martírio. Mas estas nasciam só do coração.
S. Mateus, freguesia da Madalena, a Sul do Pico, foi, por natureza, o berço do ofício. Depois estendeu-se a S. João, às Ribeiras, deu a volta à ilha. As rendas vendiam-se na roda da ilha, em casas de comércio do Faial, no Continente ou seguiam para mercados do Brasil, do México, dos Estados Unidos. E as rendeiras compravam com o dinheiro que juntavam, o enxoval, se eram solteiras, mães de família ajudaram a erguer casa onde viver, compraram milho para o pão de cada dia, pagaram os estudos dos filhos, na cidade.
Ainda há quem faça rendas em S. Mateus, ainda há muitas rendeiras pela ilha. Mas as rendas já não são, como dantes, ganha-pão. São herança. São memória. Tal e qual como as canoas baleeiras. Tal e qual como os marouços, as adegas, os currais de vinha e os caminhos que faziam para a montanha, antigamente, os velhos pastores. Só por isso as rendas se apresentam, celebrando a terra e as rendeiras, nesta Exposição.

segunda-feira, setembro 04, 2006

Separar o trigo do joio

No tempo dos grandes repórteres, alguns ainda vivos - como Baptista Bastos ou Adelino Gomes, apenas para citar dois dos mais conhecidos - os jornais tinham "grandes reportagens". Curiosamente, nunca eram "imparciais", pelo contrário: tinham um ponto de vista (forte) e os jornalistas sabiam defendê-lo: davam aos leitores uma panorâmica do que viam/viviam, com argumentos, com inteligência, com excelente escrita. A sua verdade poderia muito bem ser, assim, a verdade de muitos. E, nesse sentido, eram honestos - porque procuravam a verdade. Nunca poderiam, como muitos fazem hoje, iniciar uma reportagem com frases do tipo "tal coisa não prestava" e daí para a frente, partindo de uma falsa premissa e nunca defendida, limitarem-se a uma (paupérrima) "apresentação" de alguns "factos". Se acrescentarmos que, hoje, o fazem com um português pouco elegante e recheado de lugares comuns o panorama ainda fica mais triste - para todos nós, que somos a razão de ser do jornalismo, e não porque certos jornalistas querem estar bem com os patrões do seu partido/jornal. Infelizmente, temos de fazer esta aprendizagem: quando lemos um jornal é preciso exercitarmos a nossa capacidade de separar o trigo do joio. Às vezes o trigo escasseia, paciência... fazemos umas palavras cruzadas.

domingo, setembro 03, 2006

Iniciativa e confiança

Rui Pedro Ávila escreveu no último O Dever que na Vila das Lajes, cito, "Afinal os empresários lajenses existem e apostam na modernidade e funcionalidade das suas instalações comerciais e de restauração. Ainda bem. Neste tempo de festa, da Festa de Nossa Senhora de Lurdes, parece-me exigível falar bem, mesmo muito bem, do que tem melhorado na Vila das Lajes - a vila baleeira dos Açores." Cem por cento de acordo. E acrescentamos: a iniciativa empresarial não poderia ter lugar se o poder político não proporcionasse a todos um clima de confiança no futuro, o que se consubstancia em iniciativas e em projectos credíveis. Assim vamos bem. E todos estaremos de parabéns: munícipes trabalhadores e participativos, empresários empreendedores e com capacidade de risco, autarcas esclarecidos e activos. Só ficará de fora quem quiser.

sábado, setembro 02, 2006

Homem tolerante e de bom senso

O Padre Hermínio vai deixar-nos. Lamentamos profundamente. O texto com que se despede de nós nas páginas d'O Dever (31 de Agosto) é um exemplo de tolerância e de bom senso. Tão diferente da arrogância e leviandade do Padre Areias...


Comentário de "romeu oregon", enviado por e-mail em:
Sat, 2 Sep 2006 11:40:54 -0700 (PDT) [02-09-2006 19:40:54 WEST]

Concordo. E parabéns pelo blogue. É importante que se fale dos aspectos positivos das Lajes do Pico para que não só a má língua tenha voz.
Apenas um pequeno reparo: seria mais interessante não citar alguns nomes que toda a gente já conhece por serem figuras pouco (ou nada) recomendaveis. Este blogue não está, felizmente, ao nível deles; é "outra onda".
Os "Vanda Stuart", José, ou Paulo Luis, não nos devem preocupar. Já não poderão nunca subir do poço onde estão.

Bj
Romeu